8 de janeiro de 2011

HÁ 10 ANOS: UM MEMORÁVEL ALMOÇO DE SÁBADO


Abriram-se os trabalhos do SABALOGOS em 2011! Depois do recesso de final de ano, este quentíssimo dia 8 de janeiro, infelizmente o dia do falecimento do nosso Taneco, Grande Conselheiro do Instituto Histórico e Geográfico, marcou tambem o reencontro dos confrades.

Postei aqui anteriormente um texto sobre o SABALOGOS, tertúlia dos sábados pela manhã na Livraria Logos da Praia do Suá com bons amigos leitores/escritores, quase todos do Instituto Histórico e Geográfico e alguns da Academia de Letras. A quem interessar, e seria bom que, para se inteirar do que se trata a seguir: http://gtneves.blogspot.com/2010/05/sabalogos.html

Nesta nova fase damos boas-vindas ao retornado Henrique Herkenhoff, que finalmente enjoou da garoa de São Paulo e retornou ao verão de Vitória. E esperemos poder voltar a reunir o pessoal para o almoço de sábado, o que tem sido muito difícl de uns tempos para cá. O fato é que, das "excursões gastronômicas" que se faziam aos restaurantes da Ilha, lavravam-se as respectivas atas, sempre a cargo de cada um dos excursionantes. A guarda da documentação, como consta do post acima, ficou com Serginho Bichara, ciumento como ele só da papelada.

Reabrindo aqui um antigo pen-drive, deparo-me com a única das atas lavradas por mim, num daqueles memoráveis sábados em que ainda privávamos da companhia de Renato Pacheco e de João Bonino Moreira, ambos aglutinando o pessoal à volta de sua boa conversa e seu famoso apetite.

Fazendo este ano dez anos daquele almoço - o retaurante, na Ponte da Passagem, nem exite mais - vou postá-la aqui, seja como estímulo para que possamos nós no SABALOGOS reviver essa prática, seja para que possamos finalmente providenciar a publicação de todo o material, seja, ainda, pela coincidência de ter comido um prato de bacalhau hoje ao almoço. Mas o faço, é certo, com saudade: 


Ata dos trabalhos gastronômicos levados a efeito a 27/10/2001, no Restaurante Porto do Bacalhau, nesta Ilha de Vitória


"Aos vinte e sete dias do mês de outubro de 2001, reunidos os confrades gastrônomos nas dependências da Livraria Logos da Praia do Suá, foram abertos os trabalhos, votando todos em escrutínio aberto pela escolha do prato do dia e local do congraçamento. Após uma primeira tentativa frustrada de escolha do local, foi indicado escrutinador o escritor Pedro J. Nunes, não só pelo reconhecido trato que tem da coisa pública mas também pela sua proverbial imparcialidade. Contados os votos verificou-se então um empate entre duas categorias gastronômicas, massa e bacalhau, sendo que a situação veio a se complicar ainda mais com a chegada de Chico Grijó e Dr. Zé Neves que lembraram de introduzir nos debates os pratos de carne.

Finalmente ultrapassado o impasse pelo voto sempre de qualidade da Presidente Léa Brígida e a orientação segura do Timoneiro Luiz Guilherme, partiu-se ao encontro do bacalhau, para protesto de uns e gáudio de outros.

Mesa para quatorze, foi um almoço de extremos – os Capitães-Mor João Bonino e Renato Pacheco, por exemplo, qual guardas de honra, puseram-se nos extremos da longa mesa, garantindo depois a excelência dos trabalhos pelo exemplo de seus garfos famosos. Além desses personagens registrou-se a presença no local de Ivan-o-Borgo, Luiz Guilherme Santos Neves, Zé e Rodolfo Neves, Serginho Bichara e a Srª Dª Terezinha, a Presidente Léa Brígida, Henrique Herkenhoff, Carlos Campos Jr., Fernando Achiamé, Chico Grijó e este escrivão ad hoc.

Todos instalados, continuaram os trabalhos. Chegado à mesa o tira-gosto – bolinho de bacalhau – as conhecidas limitações estomacais de Henrique Herkenhoff com relação aos frutos do mar ficaram evidentes de sua expressão ao ser confrontado com os apetitosos acepipes – pediu um prato de carne e batatas fritas.

Após algumas considerações genéricas sobre Roseana Sarney e Luís Inácio “Lula” da Silva, Serginho Bichara, arauto das virtudes da “Swinging London” dos “sixties”, confrontou-se mais uma vez, no plano da estética musical, com Prof. Grijó: teria sido Paul McCartney superior a Cole Porter ou a Gershwin? E Elton John? A discussão foi deveras enriquecida pelo Dr. Zé Neves que para ilustração de todos pôs-se a tecer conjeturas sobre a repercussão (evidentemente extra-crônica policial da região metropolitana do Recife) de hipotético disco que fosse gravado pela Banda de Pau e Corda de Olinda com o título “Revolver”, como fizera aquela outra banda da região metropolitana de Liverpool. O Capitão Bonino meteu no assunto Maurice Ravel e até sobre a suposta superioridade da gravação de áudio analógica sobre a digital se discutiu então. No que o Prof. Grijó externou sua sincera opinião a respeito de Tom Jobim e da Bossa Nova - mesmo com o risco de ferir os brios de alguma sensibilidade nacionalista mais apurada - o bom senso de Fernando Achiamé chamou atenção para os pratos já servidos, dissolvendo tão interessante colóquio.

Nesse meio tempo, que se passava no outro extremo da mesa? Não sei, e me penitencio por isto. Eram muitos pratos de bacalhau dali até eles, e aprendíamos de Henrique Herkenhoff que “o bacalhau”, além de não ter cabeça – como insinua a linda Ana Paula Arósio naquele comercial de telefone - não passaria mesmo é de um processo de preparação de peixe salgado, o equivalente, dentre as comidas marinhas, à nossa carne seca. Esta interessante analogia levou nosso nacionalista Dr. Zé Neves a comparar a Escandinávia ao Nordeste brasileiro – aqui peço vênia para acrescentar pessoalmente, com nítida vantagem desta última região geográfica, porque como se sabe à Escandinávia lhe falta o nosso jerimum para acompanhar seu jabá marinho.

A certa altura, após estabelecida empiricamente a diferença entre os pastéis de Belém e os de Santa Clara, já não havendo mais que se comesse e bebesse, cuidou-se da conta. Alentada. Merece registro o fato de que o companheiro-adepto-da-carne-com-fritas, em nítida desvantagem pela disparidade de preços entre os pratos, nada disse, cavalheiro que é, e foi cuidar da divisão e arrecadação de valores. E o fato de que Sérgio Bichara, engenheiro, pessoa bem-quista e considerada na sociedade, de maneira revoltante empurrou sua despesa para cima da própria genitora, que maternalmente aceitou a 'facada'.

Ultrapassada a burocracia financeira o Capitão Pacheco indicou-me para lavrar a ata dos trabalhos, honra que educadamente recusei, tendo nós como tínhamos à mesa o Prof. Grijó, literato e educador, que retornava, enfim, ao nosso convívio gastronômico. No entanto, para que se não perca a memória de quanto se comeu e falou naquele dia, lancei-me com pena incerta ao empreendimento de registrar os fatos acontecidos durante os trabalhos, ad cautelam, não só como meio de perpetuar a memória dos fraternos comensais mas também para que na próxima expedição gastronômica nos lembremos todos de que nosso Apicius teresense, João Bonino, já decidiu, em último grau, que o prato principal do dia será MASSA. Ad referundum da Comissão nomeante, eu, Escrivão ad hoc, que a lavrei , indo por todos os presentes devidamente assinada."