10 de janeiro de 2011

TANECO

Por que todos lamentam a morte do poeta? Talvez porque, numa imagem batida, o poeta morto leve consigo um pouco da luz que iluminava os dias de quem o lia. Um pouco da luz que simples estrelas não podem derramar sobre os dias, estes muito mais difíceis de serem vividos que as noites, mesmo as mais estreladas.

Neste janeiro, em Vitória, morreu um poeta. Não procurem no que ele deixou invenções, malabarismos literários, dourar de versos. Acharemos nele a simplicidade. De sentimentos e de vida.

José Hygino de Oliveira, Taneco, faleceu às vésperas de completar noventa e nove anos de idade. Provecto? Não, um jovem, poeta e vivente. Porque no mínimo sabia viver, para morrer tão longevo. No mínimo.

Taneco era alfaiate, e que encanto nessa profissão tão honrada. Que já foi imprescindível, nos tempos em que a elegância, não só no trajar mas sobretudo no portar-se, era cartão de visitas. Bons tempos, em que os bons alfaiates eram considerados, no mínimo porque sem eles não era possível se apresentar socialmente. Meu avô, de quem tiraram meu nome, também era alfaiate. Getúlio Neves. Daí também, creio eu, um pouco da minha simpatia por Taneco.

Ele que foi, aliás, a única pessoa, que me lembre, a romper formalmente relações comigo. Elegantemente, como se acostumou na vida o alfaiate, o Grande Conselheiro do Instituto Histórico e Geográfico um dia rompeu comigo, por não aceitar uma atitude que tomei, em tempos e em situações que já ficaram para trás. Mas que elegante de sua parte foi mandar-me avisar que rompera relações comigo!

Depois de algum tempo de rompimento dirigi-me a ele, disse-lhe que assim me punha em dificuldades, eu não sabia como lidar com um “inimigo” de mais de noventa anos. Sentou-me a seu lado, explicamo-nos um ao outro naquela tarde no Instituto Histórico, e deu-me algumas lições de vida, ele que já vivera tanto. Lições que, desde então, levo comigo.

Ao adentrar a Academia Espírito-santense de Letras, recebi das mãos do poeta, veterano de casa, um exemplar de seu Dedicado à Vila Rubim. Na dedicatória que me dirigiu, na sua letra desenhada, a certeza de termos ultrapassado o tal desentendimento: “Ao caríssimo Dr. Getúlio: Meu abraço nesse dia da sua posse 19/09/05 e meus sinceros votos de Parabéns pela nova conquista. Do sempre lembrado amigo Taneco”. Não fazia figura de linguagem – um sempre lembrado amigo, mesmo que nossa amizade não fosse assim tão próxima.

Tudo isso me veio vendo o “imortal” Taneco ontem, um domingo de tanto sol, gozando de seu derradeiro descanso. A meu lado a querida Ester Abreu, presidente da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, a quem o poeta, naquelas coisas de poeta, chamava “mãezinha”. A ela também, com certeza, Taneco terá dedicado estes versos:

"Mães de poetas, que sois, vós que a
Chama da vida acendestes na terra
Entre cantos de paz?
Inquietos corações... sois a concha
Ferida de onde veio a fulgir
Uma pérola mais!
Mães de poetas, - eu sei porque viveis
Sofrendo
A angústia que vos faz divinas
A chorar:
Vós passastes no céu nove meses
Fazendo uma estrela e, por fim
Ei-la perdida no ar!!!
Consolai-vos ó Mães desses moços franzinos
Que trouxeram do ventre o anátema da dor!
Eles sempre serão, sempre, os
Vossos meninos
E vós sempre estareis, sempre, no
Seu amor!"

José Hygino de Oliveira, o Taneco, começou a vida, na mais tenra infância, aprendendo o seu ofício de alfaiate. Depois, entre inúmeras outras coisas que fez na vida, teve uma gráfica, e produziu também impressos para o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Foi atuante nos dois grêmios, o Instituto Histórico e a Academia de Letras, até quando as condições de saúde lhe permitiram.

Apaixonado pela sua Vila Rubim, era um romântico, um memorialista saudoso dos seus dias de meninice. Mas que fez questão de deixar registrado que “Foi buscando a realidade/Que eu construí/Meus dias”.

Definir Taneco, nosso Grande Conselheiro do IHGES? Não me atrevo. Deixemos que ele mesmo o faça, nas palavras do poeta, que era e que sabia ser, por fazer poesia espontânea, por enxergá-la no mais pequeno das coisas do cotidiano. No relembrar das coisas da vida, proseando como poeta:

"Lembra...
Aquele menino, com uma trouxinha de roupas,
Você deve lembrar... A mãe dele era lavadeira.
Hoje, é homem feito, ninguém diz ser o mesmo.
Os tempos mudaram? Talvez tenhais mudado
Porque ele caminhou por outros caminhos da vida
E de Deus, e não pelas estradas dos homens. Quem
Diria... o Zeca da Vila Rubim.
Esse menino maroto foi caminhando, caminhando,
Mundo a fora, buscando encontrar o que há de melhor
Para si e seus entes queridos. Dentro dos mistérios da
Vida,
Assim segue ele, carregando sua cruz que não chega
A ser tão pesada,
Pois lhe foi ofertada pelo Grande
Arquiteto do Universo, Nosso Pai.
Perguntemos o que fez o Zeca durante os dias e anos
Que esteve entre nós. A verdade um dia será revelada
Por aqueles que o conheceram e que participaram
Dos momentos de sacrifício de uma vida vitoriosa.
A vida de homem que sempre procurou caminhar em
Busca de um direito, trilhando pelo caminho
De DEUS..."

Então é isso, meu fraterno ex-inimigo. Depois de ter vivido tão bem, despeçamo-nos, eu e você. Tem novamente a palavra, para dizer-nos uma última coisa de sua vontade:

"Depois,
Eu deixarei a vida e
Vocês com saudades...
E no dia em que partir
Não chorem,
Sorriam, se possível
Deixem que me vá.
Será outra vida!
Irei feliz, em busca de
Paz
Meus defeitos, não
Lembrem.
Minhas virtudes, se as tive,
Esqueçam.
Deixem que me vá..."