Algumas vezes a cultura de massa acaba registrando, surpreendentemente indelével, ditos, aforismos, que desafiam a fugacidade do produto de consumo fácil, a sua tônica. “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”, das palavras de Luiz Maurício Pragana dos Santos, o Lulu Santos, é como hoje traduzimos a sensação de inexorabilidade do processo de mudanças - dos tempos, das pessoas, das coisas. Em verdade adaptamo-nos, que não há outro jeito, mas também recordamos. E como recordações gratas nos ajudam na condução de todo esse processo que, na falta de expressão melhor, chamamos amadurecimento...
Juntei-me à Academia Espírito-santense de Letras em 2005. Na época estava lá, a meu juízo, uma amostra do que de melhor havia na cultura e na vida pública local. Pessoas de projeção não só no fazer literário, mas também, e principalmente, no afazer profissional de cada um. Que, com raras exceções, não se tratava do fazer literário, em sentido estrito. Quando da minha chegada entre eles eu valorizava era o profissional que, apesar dos afazeres que o absorviam, tirava tempo, punha verve e disposição para o produzir literário. De várias maneiras (e também aí, com raras exceções) os admirava, pois com eles aprendia. A meu critério, tinham o que me ensinar.
O fato é que o tempo passa e muitas pessoas, a dada altura da vida, se convencem de não ter mais o que aprender, o que constitui erro dos mais crassos. Mas também, e miseravelmente, se dão conta de não ter mais com quem aprender - o que é, como se diz, uma outra história. É triste. Mas nem sempre um tal estado de alma pode ser debitado a elas mesmas, a essas pessoas desencantadas: faltam é mestres de vida. E quanto à vida literária, a do literato, do cultor das letras, como os havia por aí há coisa de dezoito anos, mais ainda. O tempora, lamentaria o vate.
Para mim esse tempo, miseravelmente, chegou. Vamos nos dando conta aos poucos, até que o desencanto vira falta de paciência. Sobretudo porque a previsibilidade desanima, a superficialidade enfada. Sendo assim, entre pouquíssimas, raríssimas exceções, me restam as recordações. Gratas, no caso da Academia Espírito-santense de Letras da minha estreia. De fato, ter o prazer de me sentar entre um Aylton Bermudes, um Ivan Borgo, um Romulo Salles de Sá, um Gabriel Bittencourt, uma Ana Bernardes (creio que já não cheguei a vê-la por lá, mas esse “sentar-se” fica aí como metafórico), um José Hygino de Oliveira, um Sérgio Bizzotto, era, de fato, um aprendizado. De vida e da vida literária, do culto das letras como atividade essencial apesar de “não remunerada”, se é que me faço entender. De traços de natureza humana – e sobretudo aí é de opinião pessoal que se cuida – muito mais aprimorados. A sabedoria dos mais velhos, que acatávamos não só pelo argumento, venerável então, da idade cronológica.
Há por aí a figura do velho tolo. O que nada aprendeu com a vida. Deparei-me com uns tantos ao longo do tempo, sobretudo no dia a dia profissional. No caso, e sem exceção, como vítimas de ocorrências policiais que me calharam conhecer para decidir. Aos poucos fui deixando de me admirar como no início me admirava - “puxa, será que o de cujus nada aprendeu com a vida?” Por exemplo, não é prudente desacatar um homem armado, reações humanas muito pouco têm de racional. O que, dou-me conta a tempo, vai me levando para além das balizas da reflexão original. Ou, melhor dizendo, das recordações que desfiava, que na verdade aí acima os recordava.
Havia então muito mais o que ouvir, a que deitar atenção, a que aplaudir, em palavras e em obras que o mais das vezes eram de utilidade, não somente de fruição. Havia exemplos em que reparar, conversas em que intervir. Havia, sobretudo, quem acatar. Pela consideração, mais que pela amizade, e essa aos poucos foi-se fortalecendo ali dentro. Para minha alegria, eu que desde os tempos de banda Urublues me considero um homem de instituições.
Agora, e penitenciando-me, deitar atenção já não é tão fácil. Até mesmo porque - é fato – perdemos muito em matéria de foco, de concentração, de atenção, nesses dezoito anos. Mas também porque, é incontestável, o culto ao literário mudou e os exemplos de vida, dentro da concepção que de minha parte me fazia acatá-los, praticamente desapareceram. Os tempos são outros, e com eles tudo também o é. Felizmente, as amizades continuo a cultivá-las, sem exceção. Mas, convenhamos, modas e modismos podem soar ridículos, sobretudo ostentados por velhos tolos e por quem resista a aprender com a vida.
No fim da reflexão adaptamo-nos, mas recordamos. É que as recordações nos ajudam a superar o processo, a abstrair do todo, a relevar as contradições humanas. Nos permitem ir cuidar de outra coisa.
É amadurecer.