Aproveitando que o confrade Pedro J. Nunes pôs no ar, no site do Instituto Histórico e Geográfico, mais uma leva de números da Revista do IHGES (são 106 anos de publicação compactados em setenta e nove números) reli, com muito gosto, crônica de Xerxes Gusmão Neto, originalmente publicada no jornal A Tribuna, sobre um ano de falecimento de Miguel Depes Tallon. Se não conheci pessoalmente o autor da crônica, o seu objeto cheguei, sim, a conhecer, ali pouco antes da minha entrada no IHGES, em 1997. A casa era então brilhantemente (que outro advérbio usar para falar da gestão de Miguel?) presidida por ele. Alguns dos nossos encontros narrei no volume Manhosa escrita: Miguel Depes Tallon - vida e obra, de 2017, publicado na Coleção Roberto Almada, da Prefeitura de Vitória e da Academia Espírito-santense de Letras. Enfim, o que importa é que, como diz a crônica do Xerxes, Miguel exalava um magnetismo nato por entre os que o rodeavam, e daí se punha a capitanear almoços, encontros e bebericagens.
O chato é que esses tempos de almoços, encontros e bebericagens, assim como os da companhia do Miguel, há muito ficaram para trás. Aquele grupo de amigos, de brandas maneiras, elevada cultura e interesses comuns, desfez-se no tempo, entre ausências e partidas, como era de ser. Por exemplo, já não se fazem encontros literários aos sábados. Tentamos mantê-los, um grupo muito mais reduzido, despreocupados de qualquer regularidade, às terças ou quintas-feiras. Mas aí não basta ser literato ou interessado nesses assuntos para ir se chegando; exige-se convivência fraterna entre todos, o que hoje em dia pressupõe um mínimo de afinidade de ideias e um máximo de falta de radicalismo no defendê-las. Sobretudo não se tolera chatice, nas variantes todas catalogadas por Guilherme Figueiredo no seu Tratado Geral dos Chatos (consulte-se-o!). Portanto, trata-se, o de que falo, de um grupo modesto de amigos que às vezes se encontram no café, ou no pastel-com-caldo-de-cana, para comentar a vida. Nada muito pretensioso, mas amenidades fazem falta, e como. Trocam-se livros, presenteiam-se uns aos outros com produção própria de cada um, fala-se e ouve-se. Quem sabe algum deles, que todos se viram muito bem nisso de escrita, homenageie o que de nós vier a faltar primeiro, como homenageou o Xerxes ao Miguel naquela crônica.
Mas tudo isso é relativo: cada um dá-se com quem quiser. De minha parte não acredito em obrigação, nem em afinidades artificialmente criadas pelo ingresso num ou noutro círculo - dar-se com quem quiser passa longe disso. Acredito muito mais em brandas maneiras, elevada cultura e interesses comuns, quaisquer que sejam. Chistes, anedotas e alguma maledicência incluídos, que ninguém de nós tem pretensões ambiciosas no além: no máximo, reencontrar Miguel e sua turma lá no céu, para continuarmos o papo de onde o deixamos.
- É um verdadeiro "Sacro Colégio" -, diz um dos nossos a respeito.
- Com uma pauta agradável a cumprir, ajunta outro, - E a vida inteira para resenharmos, acrescento eu.
O que não é muito e nem pouco. Mas, convenhamos, nos é na medida, e sendo assim, é o que importa – esses renovados encontros, que não permitem que, entre nós, o assunto jamais se esgote.