Minha vida
pública a comecei lecionando. Lecionei Instituições de Direito Público na então
Faculdade de Ciências Econômicas, de Colatina, no tempo em que era funcionário
do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Dita faculdade viria a fundir-se à
Faculdade de Filosofia de Colatina, a mais antiga instituição de ensino
superior do interior do Espírito Santo, para formar as Faculdades Integradas
Castelo Branco, centro de ensino de reconhecida importância no norte do
Estado. De minha parte atuei ali quatro anos letivos completos, e neste curto
período tive o prazer de paraninfar uma turma. Deixei o magistério em 1994, por
conta da aprovação no concurso para a magistratura de carreira.
O início se
deu assim: vinha eu substituindo na matéria de Legislação do Trabalho por
ocasião de impedimentos do professor titular, até que “herdei” a cadeira de
Instituições de Direito Público deixada pelo professor Manoel Alves Rabelo, que
ia às vésperas de ser promovido a desembargador do nosso Tribunal de Justiça.
O fato é que,
ao assumir a cadeira, tinha pouco conhecimento de didática superior, que
estudei por minha conta. Com a ajuda de minha mãe, Mestra em Educação, montei
um planejamento de aulas e do desenrolar do próprio curso, cuja grade
curricular me fora passada. Assim, por ocasião das primeiras reuniões de
professores, não estaria tão “cru”, como de fato.
Era uma
experiência nova que aceitei sem pestanejar, com a coragem inconsequente dos
vinte e quatro anos: é que sendo meu pai, à época, diretor da Faculdade, este
fato me parecia uma faca de dois gumes, tanto podendo me granjear simpatia como
antipatia de parte dos alunos. Mas eu contava com um trunfo: paralelamente às
atividades profissionais, era na época guitarrista da banda Urublues, já bastante
conhecida por conta das aparições numa mídia em sua maioria simpática à nossa
presença no cenário cultural capixaba. O que me garantiu, à partida, uma até
certo ponto surpreendente boa vontade por parte do corpo discente. Havia,
ainda, um outro fator, para que, a princípio, não atentei: era eu o professor
mais jovem das turmas de Administração e Ciências Contábeis.
Este fato acabaria
me trazendo uma maior facilidade na comunicação com as turmas (quatro turmas dos
segundos anos), compostas em sua maioria por alunos na faixa dos dezenove,
vinte anos de idade. A proximidade de ideias era maior entre nós que entre eles
e os demais professores, todos profissionais consagrados e calejados nas
respectivas ocupações. Tanto que, a certa altura, servi como “intermediário”
entre as turmas e a direção, a da Faculdade e a da entidade mantenedora, a
Fundação Educacional Presidente Castelo Branco. Tudo isso me
veio a cogitação aos poucos, mas o impacto que causaria nos alunos a presença
de um professor tão próximo a eles em idade me foi escancarada já no primeiro
contato com uma turma.
Era a
primeira aula na primeira turma que me fora confiada. Tinha preparado uma
explanação sobre o Direito Público, do que se tratava e como pretendia
transmitir o conteúdo. Falei-lhes da minha didática, dos recursos didáticos que
empregaríamos, dos critérios de avaliação que adotaria, copiei no quadro a
ementa da matéria e a bibliografia indicada e uma vez mais olhei para a turma.
A sala cheia, o calor das noites de verão em Colatina abalado levemente pelos ventiladores
de teto. A turma impassível, os olhos pregados em mim. Nada quebrava o gelo,
apesar do calor. Na primeira fila as meninas, que deviam ser as estudiosas da
sala, ao fundo os rapazes, também eles em silêncio e numa estranha atenção,
talvez aguardando no que iria dar aquilo tudo. Mais tarde eu aprenderia a não me
meter com essas meninas da primeira fila, que trocavam cochichos e bilhetinhos
entre elas em meio a risinhos. Falei sobre isso com um professor mais velho, de
como esses bilhetinhos passando de mão em mão às vezes me incomodavam, tirando
a concentração, e dele aprendi: “melhor nem ficar sabendo o que elas
escrevem nesses bilhetinhos. Geralmente é sobre professores; pode até não ser
nada, mas duvide”. Conselho este que sempre segui.
Mas nesta
ocasião não houve cochichos, não houve bilhetinhos passados de mão em mão. A
classe impassível, nenhuma interrupção. Olho para o relógio e estávamos no
final do tempo, tinha falado por quase duas horas. Finalmente, dando a
explanação por encerrada, perguntei se estava tudo entendido. Silêncio. “Alguém
tem alguma pergunta?”, insisti. Em meio ao silêncio, uma moça na primeira fila
ergue lentamente a mão. Encorajei-a: “Pois não, minha filha, qual é a dúvida”?
Ao que ela sapecou: “O senhor é casado”?
A gritaria que se seguiu nos tornou
logo bons amigos, ao desmontar (eu diria, espancar) aquele gelo inicial de
parte a parte.
Era o início
do que se augurava uma promissora carreira docente...
P.S. a foto, da época, é da querida amiga e ex-aluna Nete Schimith. E a propósito, não foi ela que fez a pergunta...
P.S. a foto, da época, é da querida amiga e ex-aluna Nete Schimith. E a propósito, não foi ela que fez a pergunta...