5 de outubro de 2019

Conviver aos sábados



Sábado traz consigo aquele jeitão de melhor dia da semana. Relaxa-se da correria dos dias de trabalho e de quebra tem-se pela frente o domingo, um descanso de eventuais excessos praticados no dia livre.
Sábados foram por muitos anos o dia quase-sacro dos encontros na extinta Livraria Logos, na Praia do Suá. Iam todos para lá, e se fosse o caso se acomodavam à volta da minúscula mesa. Que passava a epicentro da reunião, de onde “irradiavam” todos pelos recantos e prateleiras de livros. Tudo à volta do “Recanto Renato Pacheco”, na parte de trás da loja, assim batizado em honra ao frequentador que pôs nome nos tais encontros – Sabalogos.
Foram quase vinte e cinco anos, sábado após sábado, no mesmo horário, no mesmo local. Ia-se quando se podia, mas a maioria dava jeito de poder sempre. Houve, sim, ausências ao longo do tempo. Uns se mudaram, outros nos faltaram. E dada altura faltou o local, e mudou-se o local. E houve mais ausências, daquelas definitivas, e outros afazeres foram absorvendo aos poucos.
Dali muitas vezes saía-se para o almoço. E eram sempre excursões gastronômicas, porque havia connoisseurs de tudo: de vinho a massa, de cerveja a bacalhau, de quindins a doce de leite. Era trabalhoso o processo de seleção do local aonde iríamos: rodadas de votações, reiniciadas sempre que chegava retardatário disposto a ir também. De alguns desses repastos lavrou-se ata, que estão pela internet.
Vez em quando o Facebook lembra alguma postagem - são fotos e fotos internet afora. Vez ou outra quem saía antes do registro reclamava ao vê-lo (o registro, não a sua pessoa) postado em rede social. Se tinha saído pra ir lá, como explicar em casa a ausência? Toilette, claro, sugeriam. E assim qualquer atitude se recriminava, postasse-se a foto, não se postasse a foto. Era parte da graça.
Sábado continua a ser dia de encontro. Toma-se um café, joga-se ao vento um ou dois dedos de prosa. Já não há é aquela obrigação, vinda da sensação de que a perda dos momentos de convívio fosse prejudicial à saúde mental do ausente. E à paz de espírito, se acaso guindado ao posto pouco lisonjeiro de assunto do dia.
O que importa é a convivência. A ocupação de conversar. Robert Louis Stevenson, autor de muita coisa além da Ilha do Tesouro, alerta no seu A conversa e os conversadores (in Apologia do ócio e A conversa e os conversadores. 2.ª ed. Trad. Rogério Casanova. Lisboa: Antígona, 2018) para o fato de que “não existe ambição mais razoável que a de nos notabilizarmos na arte da boa conversa; sermos afáveis, bem-humorados, rápidos, lúcidos e generosos; possuirmos um facto ou pensamento adequado para ilustrar qualquer assunto”. Convívio, vê-se, é ao mesmo tempo lazer e exercício mental.  
    Se são outras as circunstâncias, o espírito é o mesmo. Tome-se um café, em qualquer lugar que seja, fale-se sobre tudo um pouco e Literatura também, estará honrado o compromisso, estarão lembrados os velhos tempos. Afinal, é sábado, dia de café com prosa, a fazer hora pro almoço.