De
vez em quando me pego a pensar que quando me aposentar vou pesquisar, vou escrever,
sobre um tal ou qual assunto. No entanto a maior parte desses planos acaba se
esvaindo entre pensamentos e preocupações do dia-a-dia, sem que fiquem retidos
na memória. Um dos poucos temas assim cogitados, e até gestado por algum tempo sem
acabar como os outros, foi o de escrever sobre a vida de Heleno de Freitas -
ídolo, de perfil singular, do Botafogo de Futebol e Regatas.
Até
que para minha decepção, a princípio, mas paulatino alívio, tomei conhecimento
do Nunca houve um homem como Heleno
(Rio de Janeiro: Ediouro, 2006), biografia assinada por Marcos Eduardo Neves,
cujo título faz alusão ao apelido que o craque odiava e que foi sacado pelas
torcidas rivais do filme Gilda
(1946), com Rita Hayworth.
Modelo
de craque nos gramados e de elegância fora deles, Heleno de Freitas, advogado,
pinta de galã, viveu uma vida vertiginosa, mas de final trágico. Foi um dos
maiores ídolos do Botafogo dos anos 40 e 50, autor de 204 gols em 233 partidas.
Embora tenha ficado com fama de pé-frio, por não ter conquistado nenhum título
no clube, é reconhecidamente um dos maiores craques do futebol brasileiro.
História como a de Heleno de Freitas, que na grandeza como na decadência se mostrou
personagem singular, não poderia estar mais afinada com a do próprio Botafogo
de Futebol e Regatas. O clube atual nasceu da fusão, em 8 de dezembro de 1942, do
Clube de Regatas Botafogo com o Botafogo Football Clube, processo iniciado
meses antes graças a trágico acontecimento: durante partida de basquetebol entre
ambos, Armando Albano, atleta do Football Clube, sofreu um ataque fulminante em
quadra, a que não resistiu. A partida foi interrompida, o Regatas desistiu da
disputa e ofereceu a vitória ao Futebol Clube, o que deu início às tratativas
entre as agremiações. Setenta e quatro anos depois, e com a mesma motivação, o
Clube Atlético Nacional, de Medellin, ofereceu à Associação Chapecoense de
Futebol o título sul-americano de 2016 após o trágico acidente aéreo que
dizimou a equipe oponente, gesto aplaudido no mundo todo.
Voltando
a Heleno de Freitas, dele se lembrou Ivan Borgo nas páginas do Recordações do Futebol de Vitória
(2016). Tendo Heleno feito tão pouco naquela partida pelo Vasco da Gama (que
defendia em 1949), o que chamou a atenção do nosso estiloso cronista para o
craque famoso foi o estilo incontestável deste último, sacramentado no golaço
de cabeça que calou o coro hostil da torcida.
Creio
que o tricolor Ivan, mesmo sem se dar conta, entreviu aí, na figura do craque,
um pouco da mística do próprio Botafogo de Futebol e Regatas (onde Heleno se
formou e se consagrou), resumida numa palavra: estilo. Não fosse o Botafogo o reconhecido
inventor do far play (graças a atitude
de Garrincha contra o Fluminense num Torneio Rio x São Paulo), é, talvez, o
clube de futebol no Brasil mais imbuído daquele espírito bretão de elegância
esportiva, de disputa entre cavalheiros. O que, reconheça-se, nem sempre é o mais adequado quando o jogo vira negócio milionário, como acabou se tornando hoje em
dia.
Não
importa. No futebol, como na vida, urge não se desprezar o ter estilo, jamais. Não
há dúvida de que, desse prisma, Heleno de Freitas personifique, para sempre, a ideia
de um Botafogo campeão.