5 de janeiro de 2017

Breves notas quase literárias (XI) - Em José Carlos Oliveira, as dores da criação?


José Carlos Oliveira é incontestável. Ao menos atualmente, no nosso círculo literário. E não só porque no final da vida fez-se escritor residente na Biblioteca Pública Estadual, função em que já teve dois sucessores; antes porque, mudando-se para o Rio de Janeiro aos 18 anos de idade, lá justificou o epíteto de “Precoce” que lhe fora atribuído por aqui, entre os bem-pensantes da terra.

O jornalista Jason Tércio prestou grande serviço à cultura brasileira regatando as crônicas de Carlinhos Oliveira no Jornal do Brasil. O trabalho resultou nos volumes Flanando em Paris e O Homem na varanda do Antonio’s, pela editora Civilização Brasileira. Reuniu, ainda, as publicadas por aqui, em O Rebelde precoce: crônicas da adolescência, da “Coleção Gráfica Espírito Santo de Crônicas”. Além desses, o indispensável (para os interessados em Carlinhos Oliveira, em Literatura brasileira, no Brasil dos anos 70/80) Diário Selvagem - sintetizado, na capa, como trazendo “o Brasil na mira de um escritor atrevido e inconformista”. O que basta ler para constatar.

É de Luiz Guilherme Santos Neves a observação de que a diferença entre Rubem Braga e José Carlos Oliveira, os dois expoentes da crônica no Espírito Santo, é que o segundo usa óculos. Ou seja, vai a fundo nas questões que se propõe dissecar, tecendo reflexões de cunho existencialista (no sentido de corrente filosófica), o que não era a intenção nem o jeito de enxergar o cotidiano do grande Braga, cultor da leveza.

Oliveira, o contestador, o arguto observador da realidade dissimulada nas pequenas agruras do cotidiano, em dado momento é levado a se deter e de certa forma alterar o rumo, recalibrar o “sensor de sensibilidades”, passando a refletir mais intensamente sobre si mesmo (“entrementes, escrevo a crônica da minha viagem por dentro de mim”). Com o impacto da descoberta do grave problema de saúde que o afligiria, passa a nos informar sobre o andamento da doença, suas marchas e contramarchas. Tudo de permeio a andanças por Paris, aonde foi para o diagnóstico preciso que não obteve no Rio de Janeiro. O drama no consultório médico quando da confirmação de que algo ia mal consta da crônica “O doente rebelde”, de 30 de março de 1979. Excertos do Diário transcritos no mesmo Flanando em Paris revelam seu estado de ânimo imediatamente após a consulta, e estando obrigado a trabalhar: “Quarta-feira: parto doloroso de duas pequenas crônicas. Doeram-me até desmaiar”.

Material para reflexão sobre “as dores da criação estética”? Não chega a tanto, e nem é esse momento de reflexão do autor que me ocupa agora (Carlinhos continuaria a questionar-se: “muita gente pega a trilha errada, mas eu avanço nela com tal ânsia de me perder que finalmente me pergunto se não tem sido justamente a perdição que venho procurando”), mas sim o exemplo, talvez não calculado, por isso mesmo visceral, de pensamento que norteou todas as fases da sua escrita, que é espécie de norte para a escrita em geral. E que Carlinhos reafirmaria dias depois, em situação muito mais agradável, na crônica Hoje vou namorar, publicada em 20/04/79: “ia eu a escrever o que não fora ainda vivido... Não seria melhor, mais honesto e instrutivo, fazê-lo após a prova dos nove, ao final do anunciado e ansiado encontro com a mulher do nariz arrebitado”?

Vida – e escrita - que seguem.