José
Carlos Oliveira é incontestável. Ao menos atualmente, no nosso círculo
literário. E não só porque no final da vida fez-se escritor residente na
Biblioteca Pública Estadual, função em que já teve dois sucessores; antes
porque, mudando-se para o Rio de Janeiro aos 18 anos de idade, lá justificou o epíteto de “Precoce” que lhe fora atribuído por aqui, entre os bem-pensantes
da terra.
O
jornalista Jason Tércio prestou grande serviço à cultura brasileira regatando
as crônicas de Carlinhos Oliveira no Jornal
do Brasil. O trabalho resultou nos volumes Flanando em Paris e O Homem
na varanda do Antonio’s, pela editora Civilização Brasileira. Reuniu,
ainda, as publicadas por aqui, em O
Rebelde precoce: crônicas da adolescência, da “Coleção Gráfica Espírito
Santo de Crônicas”. Além desses, o indispensável (para os interessados em
Carlinhos Oliveira, em Literatura brasileira, no Brasil dos anos 70/80) Diário Selvagem - sintetizado, na capa,
como trazendo “o Brasil na mira de um escritor atrevido e inconformista”. O que
basta ler para constatar.
É
de Luiz Guilherme Santos Neves a observação de que a diferença entre Rubem
Braga e José Carlos Oliveira, os dois expoentes da crônica no Espírito Santo, é
que o segundo usa óculos. Ou seja, vai a fundo nas questões que se propõe
dissecar, tecendo reflexões de cunho existencialista (no sentido de corrente filosófica),
o que não era a intenção nem o jeito de enxergar o cotidiano do grande Braga,
cultor da leveza.
Oliveira,
o contestador, o arguto observador da realidade dissimulada nas pequenas
agruras do cotidiano, em dado momento é levado a se deter e de certa forma
alterar o rumo, recalibrar o “sensor de sensibilidades”, passando a refletir
mais intensamente sobre si mesmo (“entrementes, escrevo a crônica da minha
viagem por dentro de mim”). Com o impacto da descoberta do grave problema de
saúde que o afligiria, passa a nos informar sobre o andamento da doença, suas
marchas e contramarchas. Tudo de permeio a andanças por Paris, aonde foi para o
diagnóstico preciso que não obteve no Rio de Janeiro. O drama no consultório
médico quando da confirmação de que algo ia mal consta da crônica “O doente
rebelde”, de 30 de março de 1979. Excertos do Diário transcritos no mesmo Flanando
em Paris revelam seu estado de ânimo imediatamente após a consulta, e
estando obrigado a trabalhar: “Quarta-feira: parto doloroso de duas pequenas
crônicas. Doeram-me até desmaiar”.
Material
para reflexão sobre “as dores da criação estética”? Não chega a tanto, e nem é
esse momento de reflexão do autor que me ocupa agora (Carlinhos continuaria a
questionar-se: “muita gente pega a trilha errada, mas eu avanço nela com tal
ânsia de me perder que finalmente me pergunto se não tem sido justamente a perdição
que venho procurando”), mas sim o exemplo, talvez não calculado, por isso mesmo
visceral, de pensamento que norteou todas as fases da sua escrita, que é espécie
de norte para a escrita em geral. E que Carlinhos reafirmaria dias depois, em
situação muito mais agradável, na crônica Hoje
vou namorar, publicada em 20/04/79: “ia eu a escrever o que não fora ainda
vivido... Não seria melhor, mais honesto e instrutivo, fazê-lo após a prova dos
nove, ao final do anunciado e ansiado encontro com a mulher do nariz
arrebitado”?
Vida
– e escrita - que seguem.