Em
reunião do mês de agosto de 2016 do Instituto Histórico e Geográfico anoto
interessante constatação de um dos presentes: ao renunciar Jânio Quadros, João
Goulart voltou às pressas da China para assumir a Presidência da República, às
vésperas da reviravolta que desaguaria no governo militar iniciado em 1964;
impedida Dilma Roussef, Michel Temer, vice-presidente desde 31 de agosto de 2016 guindado à chefia do governo, licenciou-se imediatamente do cargo para ir
à China, a uma reunião do G-20, num encontro com as maiores economias globais.
Coincidência que o imenso país asiático esteja presente em dois momentos tão
marcantes da vida política nacional - que é o que vale dizer, da História do
Brasil. Curioso como essa coincidência revele tanto da própria política
nacional nessas duas oportunidades.
Em
1964 o mundo atravessava o período de Guerra Fria, assolado por uma disputa de
áreas de influência que tinha como pano de fundo interesses comerciais: óbvio
que, impondo a uma região, em última análise, o seu modo de vida, a potência
hegemônica encontra mercado para encaixar sua produção. O que não é nenhuma
novidade, pelo contrário. Já em 2016 a situação, em tese, é outra: o escoamento
de produção se pretende fazer por meio de acordos comerciais cuja entabulação e
funcionamento são fiscalizados por órgãos supranacionais de controle, com
poderes para sancionar governos que atentem contra as regras estabelecidas. Em
que pese a influência dos maiores mercados (produtores e consumidores) sobre os
menores, a convivência mais harmônica possível é desejável na medida do próprio
interesse no crescimento do comércio.
A
produção industrial brasileira vem decrescendo nos últimos anos; uma economia
firmemente fundada na exportação de commodities é mais vulnerável à conjuntura
internacional; influência do clima condiciona safras, e a produção agrícola é
fortemente condicionada pelo planejamento ambiental, num sentido lato. O
decréscimo ao longo dos últimos anos dos indicadores da atividade econômica é
fato inconteste. Até que ponto - abstraídas daí políticas públicas que, ao
priorizarem modelo de distribuição de renda fundado na concessão de crédito
acabaram por descuidar da infraestrutura – pode-se debitar o encolhimento da
atividade econômica à opção consciente por alinhamentos de matiz ideológica, em
detrimento dos interesses estritamente comerciais?
O
projeto brasileiro de protagonismo pelo exercício de liderança regional vem
desde a diplomacia do Império; seguiu inalterado ao longo dos tempos, incluído
o período de governo militar (para usar como termo de comparação realidade
próxima das cogitações de governo, nesta quadra da vida nacional). Mas essa
pretensão de liderança, a ser exercida num subcontinente afinal alinhado
ideologicamente - portanto, em tese, apto a negociar com mais “poder de fogo”
nos palcos internacionais -, esbarrou justamente no decréscimo da atividade
econômica, que ao fim do governo Roussef tinha deslocado o Brasil de uma
posição de ponta para outra de, digamos, parceria com outros centros regionais
de irradiação ideológica e de ostentação militarista.
Chegando
ao final um projeto de governação que deixa a meio caminho diversas políticas
de alinhamento regional, o projeto instalado em agosto de 2016, que não se pode
chamar novo, aparentemente procura repor o país nos trilhos da diplomacia e das
relações comerciais trilhados ao longo de décadas de História republicana.
Orientar o comércio utilizando-se de diretrizes não exclusivamente comerciais
impede (ou deveria impedir), por exemplo, e no fim da cadeia, a proliferação de
armas nas mãos de terroristas. O que, sabemos todos, não é o caso. Enfim, o
certo é que essas diretrizes não devem se basear em critérios estritamente
ideológicos, sob o risco bastante real da perda de mercados.
A
conquista de mercado consumidor onde encaixar determinada produção é processo
árduo e depende de conversações e negociações que podem se arrastar por período
dilatado de tempo. Abrir mão, ou dispensar mercado, por critérios não
comerciais, é jogar no lixo todo o esforço comercial e diplomático desenvolvido
anteriormente. Essa é mais uma área em que os interesses de Estado devem se
sobrepor aos de governo.
Quanto
à China, segue abrindo mercados e fazendo negócios rentáveis com parceiros de
todas as latitudes. Uma parceria que o presidente recém-empossado foi tentar
ampliar em nosso favor, como que fechando um ciclo na História do Brasil.