19 de novembro de 2016

Alice Lardé de Venturino, Maria Stella de Novaes, Léa Brígida de Alvarenga Rosa, Adriana Campos, Ester Abreu Vieira de Oliveira e Outras: A mulher no Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo



A primeira associada correspondente do IHGES:
Dezessete anos após sua fundação, o IHGES admitia em seus quadros a primeira mulher: a poetisa salvadorenha Alice Lardé de Venturino, que de passagem por Vitória, em companhia do marido, foi admitida em 10.07.1933 como sócia correspondente.
       Alice Lardé de Venturino nasceu em El Salvador, em 1895, logo começando sua colaboração na revista salvadorenha Espiral. Contraindo matrimônio em 1924 com o sociólogo chileno Agustin Vitorino, deixou sua terra natal, de onde ficou afastada por mais de cinquenta anos. Poetisa de renome, ao ser admitida no IHGES havia publicado Petalos del Alma (1921), Alma Viril (1925), Beleza Selvaje (1927) e El Nuevo Mundo Polar (1929).
         Deste último livro foram lidos alguns trechos pelo professor Elpídio Pimentel na sessão solene de admissão, abrindo a conferência “Orientações sociais e morais da poesia”, proferida pela nova associada. Foi esta a primeira conferência realizada por uma mulher no IHGES.
           É de destacar, de sua fala, do resumo que ficou no n.º 7 da Revista, que:
"Apesar da torrente de poetas que existe na maioria dos povos americanos, estes agrupamentos humanos vivem, geralmente, à margem das manifestações artísticas e profundas do espírito, chegando à conclusão que a causa principal deste fenômeno devia-se a que a arte tem sido agora ‘exclusivamente de autores e para autores’”.
            A atualidade da colocação é de fazer refletir.
Registre-se que ao final da conferência a nova associada correspondente foi saudada pela jovem professora da Escola Normal Judith Leão Castello, representando a Federação Espírito-santense pelo Progresso Feminino. Ao que saiba esta e outras organizações contemporâneas de protagonismo feminino no Espírito Santo estão, ainda, a ser melhor estudadas.
Alice Lardé publicou também ensaios de caráter científico, destacando-se pesquisas sobre a eletricidade, e até um La Frigidez Sexual en la Mujer (1967). Foi agraciada, em 1979, com o título de “Mujer de las Americas” 1979-1980, pela Union de Mujeres Americanas em Nova York. Integrou várias organizações culturais pelo mundo e faleceu em El Salvador, em 1983.
A primeira associada efetiva do IHGES:
Treze anos depois da conquista do voto feminino no Brasil, que data de 1932, e vinte e nove anos depois de sua fundação, a primeira mulher se propôs integrar o IHGES como associada efetiva: em 3 de junho de 1945 tomava posse na casa Maria Stella de Novaes, patrona da Cadeira 4 da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, cujos traços biobibliográficos tracei no texto Quem registrou a História da cidade? (Historiando Vitória).

No Boletim Informativo n.º 22, de abril/junho de 2001, foi publicada na seção de memória do IHGES a proposta de admissão de Maria Stella de Novaes acompanhada de nota explicativa a respeito, nos termos seguintes:
“Neste trimestre, estamos memorizando uma proposta de indicação para sócio, no caso a Professora Maria Stella de Novais, a primeira mulher a participar do quadro do Instituto e talvez, a primeira a fazer parte de uma entidade gerenciada por homens, 57 anos atrás.
A professora Maria Stella de Novais, apesar de à época ser já um dos destaques da vida intelectual de Vitória, relutou, a princípio, em aceitar fazer parte do quadro de sócios do IHGES, justificando-se: ‘...Mas não conheço os Estatutos e vivo presa a deveres que me obrigam a vida mais ou menos reclusa...’, concluindo: ‘Se não posso comparecer às reuniões dos membros e às solenidades da casa, devo ingressar no Instituto?, colocando ao arbítrio do Dr.  Eurípides Queiroz do Valle: ‘O ilustrado Dr. Eurípides é juiz e resolverá o caso’ (grafia de Maria Stella em carta dirigida ao Instituto). Finalmente, em 11 de junho de 1944, pareceu concordar com o convite.
Em 19 de junho de 1944, Maria Stella de Novais foi finalmente proposta a se associar à casa do Espírito Santo por 11 membros [...]. Á nova confrade foram dispensados, conforme despacho do Presidente, ‘o escrutínio para a eleição da candidata...’ e ‘igualmente o pagamento da joia e despesa do diploma’. Em 3 de julho de 1944, conforme registro em Ata, ‘... O Sr. Secretário Geral que lê uma proposta, já com parecer favorável da Comissão de Admissão de Sócios, apresentando o nome da ilustrada educadora capichaba d. Maria Stella de Novais para sócia efetiva da casa’.
Em data de 6 de junho de 1945, ‘Às 20 horas, no salão do Clube Vitória...’ foi realizada a ‘sessão solene especial para a posse da consócia dona Maria Stella de Novais’”.     
Mulheres na Diretoria do IHGES:
Adentrando os quadros do IHGES em 1945, logo em seguida Maria Stella de Novaes passou a integrar a Diretoria, na função de oradora adjunta, entre 1947 e 1951, nas gestões de João Manoel de Carvalho, Américo Ribeiro Coelho e Ceciliano Abel de Almeida. Considerada uma das maiores intelectuais capixabas do século XX, seu pioneirismo no abrir as portas da casa à participação feminina se deu, assim, de todas as maneiras possíveis.
Em seguida ao período de paralisação das atividades, pela incorporação do seu imóvel na Avenida República e construção do condomínio do edifício Domingos Martins, o IHGES voltou a funcionar regularmente na sua nova sede, inaugurada no dia 15 de novembro de 1980. Cuidando-se da reorganização do quadro social, foram admitidos novos associados, dentre eles várias professoras e pesquisadoras.
Foi a partir dessa retomada das atividades regulares que as mulheres voltaram a integrar a Diretoria. Citemos, em ordem cronológica, cada uma das gestões integradas por associadas, desde a retoma das atividades sociais.
 Na gestão 1981-1983, do presidente Alberto Stange Júnior, a professora Ângela de Biase Ferrari assumia o cargo de Bibliotecária, cargo este chamado na gestão seguinte de Responsável pela Biblioteca, quando o ocupou Celso Perota. Na gestão 1985-1987, do mesmo Alberto Stange Jr., voltou a ser confiado a uma mulher, a professora Léa Brígida Rocha de Alvarenga Rosa, já como Encarregado da Biblioteca, ocupando-o a mesma professora na gestão 1987-1989. Nessa gestão ocuparam cargos na Diretoria, além da professora Léa Brígida, as professoras Sônia Maria Demoner, como vice-oradora, e Mintaha Alcuri Campos, encabeçando a Comissão Permanente de História. Na gestão 1989-1991 apenas a professora Léa Brígida permaneceu, na mesma função que já ocupava junto à Biblioteca, atravessando, também, a gestão 1991-1993, de Renato Pacheco. Nesta última gestão a professora Margareth Vettis Zaganelli ocupou a Secretaria Adjunta e a professora Neida Lúcia Moraes estreava no cargo de vice-oradora.
A gestão 1993-1996, de Ormando Moraes, teve a professora Léa Brígida no cargo de 3.º vice-presidente, guindada à 2.ª vice-presidência em substituição a Francisco Schwarz. Permaneceu como uma das vice-oradoras a professora Neida Lúcia Moraes até a gestão seguinte. Em 1996 assumia a presidência Miguel Depes Tallon, tendo a professora Léa Brígida na vice-presidência, cargo onde o falecimento do presidente em 1999 a iria colher, levando-a à presidência da casa. Nessa gestão Maria José Salles de Sá foi nomeada Curadora da Casa Elmo Elton. Ainda na mesma gestão, mas já em 1999, a professora Adriana Pereira Campos ingressava no Conselho Editorial da Revista.
Em 2003, na gestão de Léa Brígida Rocha de Alvarenga Rosa, a professora Renilda Lúcia de Souza dos Santos ocupou a Tesouraria, e na gestão seguinte, de Sebastião Teixeira Sobreira, Assunta Baliana Zamprogno passou a ocupar a Tesouraria Adjunta, onde permaneceu até o final da gestão, encerrada por Leonardo Passos Monjardim em virtude do falecimento do presidente Sebastião Sobreira.            
Na gestão 2008-2011 ocupou a Secretaria Geral a professora Nádia Alcuri Campos, tendo como Secretária Adjunta Juliana Sabino Simonato. Na gestão que se iniciou em 2014, a pesquisadora Diovani Favoreto Alves passou a ocupar a Tesouraria Adjunta, Assunta Baliana Zamprogno compõe o Conselho Fiscal e Karulliny Silverol Siqueira Vianna reassume o posto reservado às mulheres junto ao Conselho Editorial da casa. 
A primeira mulher na presidência do IHGES:
A professora Léa Brígida Rocha de Alvarenga Rosa foi levada para o IHGES pelas mãos de Renato Pacheco, em 1980. Participando ativamente da vida da entidade, foi responsável pela reorganização e administração, por longo tempo, da Biblioteca Augusto Lins; chegou à vice-presidência na gestão de Miguel Depes Tallon, ocupando cargos respectivos na Diretoria, como constou. Pelo infausto do falecimento daquele presidente, em 1999, foi guindada pela Assembleia Geral à presidência, ocupando-a por duas gestões, de 1999 a 2005.
Sua gestão foi plena de realizações; como educadora que é, com mestrado e doutorado em História na Universidade de São Paulo (USP), abriu as portas do IHGES à realização de inúmeras oficinas para estudantes de ensino público e realizou dois cursos de extensão para professores da rede municipal de ensino de Vitória, em 2002 e 2003, como contrapartida ao Convênio firmado com a municipalidade. Foi, também, um período em que as atividades culturais estiveram na linha de frente da administração, com a realização de inúmeras palestras e mesas-redondas, como se vê dos registros da casa.
A mulher na Revista do IHGES:
Em cem anos de funcionamento o IHGES publicou setenta e um números da sua Revista, vindo à luz o primeiro em 1917, menos de um ano após a fundação. A par de terem se verificado ao longo do tempo alguns hiatos na publicação, no entanto desde a retomada das atividades em 1980, pela inauguração da sede no edifício Domingos Martins, o periódico não mais deixou de ser publicado, o que constatei no Notícia sobre o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (2003).
No que interessa diretamente a este estudo, constata-se de imediato que a Revista do IHGES traz inúmeros textos sobre mulheres, valendo referir: A importância da mulher na História do Espírito Santo, de Ivone Amorim; Rosa Helena Schorling, a primeira paraquedista do Brasil, de Elmo Elton Santos Zamprogno; Consuelo Salgueiro: entre a literatura poética e a pintura, de Ivone Amorim; As primeiras eleitoras do Brasil, de Renato Pacheco; Maria Ortiz, a heroína capixaba, de Irysson Silva; Figuras femininas inesquecíveis, de Ormando Moraes, entre outros.
            Entretanto, procuremos examinar com algum método a coleção do periódico, a fim de podermos agregar à investigação sobre a participação feminina na casa informações documentadas que nos permitam avançar na direção que nos propusemos.
 Em 2011 foi publicado como o número 65 uma edição especial da Revista que permanecia nos arquivos, pronta para edição, e que deveria ter saído em 1949 (por coincidência, o mesmo ano da fundação da Academia Feminina Espírito-santense de Letras). Esse número não foi publicado à época, por motivos que ignoramos. Como que a consolidar a participação da mulher nas atividades do IHGES, inaugurada pela admissão de Maria Stella de Novaes em 1945, esse número traz texto de Orminda Escobar Gomes, patrona da cadeira 9 da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, intitulado Reminiscências, oferecido ao então presidente do IHGES e posteriormente transformado num dos capítulos do seu livro publicado em 1951, de mesmo título. Teria sido este o primeiro artigo da lavra de uma mulher veiculado na Revista do IHGES, se referido número tivesse saído.
Como curiosidade registre-se que consta também das páginas desse sexagésimo quinto número um artigo de Eurípides Queiroz do Valle intitulado Maria Ortiz não é uma lenda, trazendo dados biográficos sobre a heroína capixaba. Maria Ortiz, ao lado de Luiza Grinalda, são duas legendas dos tempos coloniais do Espírito Santo.
Mas então, e sem mais delongas, cabe indagar como foi que surgiu a contribuição feminina nas páginas da Revista do IHGES?
Em 1926 Vitória sediava o VIII Congresso Brasileiro de Geografia, cuja extensa programação teve cobertura detalhada no sexto número da Revista. Destaque no evento foi a presença do General Cândido Mariano Rondon, que acabaria se fazendo associado correspondente do IHGES. Dentre as inúmeras palestras, debates, mesas redondas, fizeram-se várias visitas e assistiram-se a várias cerimônias, dentre elas a colação de grau de uma turma de professorandas da Escola Normal Pedro II. Foi paraninfa da turma a professora Maria Stella de Novaes, cuja intervenção foi transcrita e assim se constitui na primeira intervenção feminina nas páginas da Revista.  O mesmo número traz ainda o discurso da professoranda Adília Moniz Freire (que apesar do sobrenome não era parente do ex-Presidente do Estado).
Maria Stella de Novaes, no entanto, pouco publicou na Revista. Ainda assim cabe a ela, a primeira mulher a ser admitida na casa, a primeira a integrar a Diretoria e a figurar nas páginas de seu periódico, a primazia de ter sido a primeira a ter uma conferência publicada: Botânica e Folklore na terra capixaba, texto da conferência que pronunciou no IHGES em 1 de novembro de 1943, foi veiculado no n.º 16 da Revista, de dezembro de 1944, publicado em 1946 .    
 Para marcar o centenário de nascimento de Afonso Claúdio de Freitas Rosa, o IHGES realizou, no dia 5 de agosto de 1959, uma sessão solene em comemoração à data. Na ocasião falou sua filha e biógrafa, Judith Freitas de Almeida Melo. Sua intervenção foi transcrita no número 20 da Revista, de 1960. Este registro se faz porque a professora Judith Freitas de Almeida Melo foi a primeira mulher a publicar artigo científico na Revista: Índios do Espírito Santo. O texto foi veiculado no n.º 22/24, de 1961/1963, e denota sua preocupação com assunto de interesse de seu pai, autor de estudo anterior sobre o tema,  intitulado Indicação das tribus indígenas do Estrado do Espírito Santo, que consta do volume Ensaios de sociologia, etnografia e crítica, publicado por Afonso Cláudio em 1931.
Como constatei num dos capítulos do Reflexões sobre o IHGES, desde a instituição dos cursos de pós-graduação em História houve maior profissionalização dos que se dedicavam a esse ramo do conhecimento, o que se refletiu nos quadros de associados do IHGES, homens e mulheres. A partir da reinauguração da sede, em 1980, foram admitidas aos quadros sociais a maioria das 192 mulheres que até hoje integraram o IHGES; registre-se que na reorganização do quadro social, em 1981, dos 84 associados efetivos listados na Revista 31/33, 15 eram mulheres.
Essa maior presença no quadro social da Casa refletiu-se, também, numa maior produção nas páginas da Revista. Refira-se, entre as inúmeras associadas que publicaram: Yvone Amorim, Ângela de Biase Ferrari, Margareth Zaganeli, Arlete Cypreste, Regina Menezes Loureiro e Annaelisa Aarão Marques, estudos sobre imigração; Yvone Amorim publicou também textos sobre agricultura; Léa Brígida Rocha de Alvarenga Rosa, artigos sobre metodologia da História e sobre ferrovias no Espírito Santo; Ester Abreu Vieira de Oliveira e Karina Rezende de Tavares Fleury, estudos de Teoria e História Literária; Maria Izabel Perini Muniz, estudos sobre a cidade de Vitória; Maria Lúcia Grossi Zunti, sobre a cidade de Linhares; Juliana Sabino Simonato, textos sobre a escravidão e a abolição da escravatura; Karulliny Silverol Siqueira Vianna, sobre a imprensa e a política local no século XIX e Gisele da Luz Rodrigues Pedro, sobre patrimônio do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo.
Registre-se que a pesquisadora que mais textos publicou na Revista é a professora Ester Abreu Vieira de Oliveira, que até o número 71 do periódico conta com vinte e quatro inserções, desde o número 46, de 1996. 
A Mulher na História do Espírito Santo:
            Uma das figuras femininas de maior destaque a integrar os quadros do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Maria Stella de Novaes realizou pesquisas em diversas áreas, com destaque para a Botânica, a História e manifestações populares locais. Suas pesquisas históricas, além da vertente generalista, que culminou na publicação, em 1969, de seu História do Espírito Santo, contemplava também estudos especializados, como a História da Polícia Militar do Espírito Santo (que permanece inédito), A escravidão e a abolição no Espírito Santo (1963) e também a História das mulheres no Espírito Santo.
            A Mulher na História do Espírito Santo (História e Folclore) é o título de um livro publicado em 1999 pela Editora da UFES, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura de Vitória e o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Escrito entre os anos de 1957 e 1959, consta ter sofrido acréscimos posteriores, num esforço de atualização.
Percorrendo toda a história da colonização da capitania, com ênfase na presença feminina (as órfãs que eram despachadas para a colônia, índias notáveis, as lendárias Luiza Grinalda e Maria Ortiz), até desaguar nas “informações”, para que chama atenção Francisco Aurélio Ribeiro, apresentador da obra, “sobretudo sobre a vida das mulheres na passagem do século XIX para o século XX”, a pesquisa detém-se sobre a moda, a religião e a família, a educação, o feminismo, listando as pioneiras de diversas áreas e compondo um mosaico interessante da vida cotidiana no Espírito Santo.

É trabalho que coroa a atuação acadêmica de Maria Stella de Novaes, ela mesma pioneira em diversas áreas de atuação feminina no Espírito Santo e ainda hoje uma das intelectuais mais influentes que aqui trabalharam. 
(Excertos do capítulo O Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e a presença feminina, de Estudos de Cultura Espírito-santense II. Vitória: IHGES, 2016)