31 de julho de 2016

Ao pé das letras


No Brasil o dia nacional do escritor é comemorado a 25 de julho. Instituído em 1960 pela União Brasileira de Escritores, a ideia era a de uma data em que se parasse para pensar nas implicações do ofício de escrever, de produzir textos literários de maneira profissional. Numa cidade pródiga em grupos e instituições de cunho literário como tem sido Vitória ao longo dos séculos XX e XXI, é de se supor que, entre leitores e cultores da palavra escrita, muitos deles sejam escritores. 

Mas escritores já tínhamos antes: o primeiro de que se tem notícia foi Manuel Andrade Figueiredo, aqui nascido, calígrafo do Reino, que em 1722 publicou em Lisboa Nova Escola para aprender a ler, escrever e contar.

Mais tarde, e antes que a impressão de livros se popularizasse, os textos eram veiculados nos jornais. Em Vitória a experiência pioneira de impressão data de 1840, quando Ayres Xavier de Albuquerque Tovar trouxe a primeira tipografia, no intuito de editar um jornal oficial. Veio à luz um único número de O Estafeta, cuja publicação se interromperia pela morte do proprietário. Só em 1849 iniciou-se a publicação regular do Correio da Vitória, marco inicial da imprensa em terras capixabas, a cargo de José Marcelino Pereira de Vasconcelos. A quem também se deve a publicação do primeiro livro editado aqui, entre os até hoje localizados: O Jardim Poético, de 1856, com textos de autores contemporâneos que, não fosse isso, estariam perdidos.

Quando da publicação do Jardim Poético já havia sido instalada a Biblioteca Pública Estadual, em 1855, o que se deveu a iniciativa de Brás da Costa Rubim, capixaba, filho do governador Francisco Alberto Rubim. Brás Rubim, no intuito de ilustrar os conterrâneos, doou à Província 400 volumes de folhetos e livros, núcleo inicial da nossa Biblioteca Pública, das mais antigas do país.  

A consolidação da imprensa no Espírito Santo na segunda metade do século XIX e o interesse pelas disputas políticas nas páginas dos órgãos oficiais dos partidos incrementavam o interesse pela leitura na capital e no interior. Era esse o estado de coisas quando em 1916 foi fundado o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, primeiro grêmio lítero-científico local, agregando os esforços dos letrados contemporâneos. A partir daí, associados da casa passaram a se fazer presentes nos movimentos de caráter cultural, por exemplo, a fundação da Academia Espírito-santense de Letras, em 1921, e da Associação Espírito-santense de Imprensa, em 1933.

Como acontecia desde José Marcelino, editado no Rio de Janeiro pela editora Laemmert, autores capixabas continuavam publicando fora, a exemplo de Afonso Claúdio, cuja História da Literatura Espírito-santense foi publicada no Porto, e José Madeira de Freitas (Mendes Fradique), cujas obras (Doutor Voronof e História do Brasil pelo método confuso são algumas delas) foram publicadas no Rio de Janeiro.  

Por aqui jornais e revistas continuavam a receber contribuições de escritores: a revista Vida Capichaba desde sua fundação, em 1923, foi repositório de contribuições literárias de autores ainda hoje lidos e estudados, abriu espaço para a contribuição feminina e foi responsável por lançar novos talentos, tendências seguidas pela revista Chanaan, fundada em 1936. Esta colaboração na imprensa local faria despontar literatos de valor, desde Eurípides Queiroz do Valle a Marzia Figueira, entre os cronistas e já falecidos.  No Recife e depois no Rio de Janeiro despontava o gênio literário de Rubem Braga, iniciando uma tradição de cronistas capixabas na metrópole a que a partir dos anos 60 se agregaria José Carlos Oliveira, no Jornal do Brasil.

Em matéria de edição de livros e de livrarias para comercializá-los era diferente. Embora magazines e papelarias vendessem livros, a primeira casa do ramo foi a Livraria Técnica, comprada da Zahar por Durval Cardoso. Esta foi seguida em meados dos anos 50 pela Livraria Âncora, dirigida por Nestor Cinelli, que a partir de 1962 desenvolveria experiência editorial resultando em alguns volumes publicados. Experiência que, aliás, não foi pioneira: em 1951 Renato Pacheco havia fundado a primeira editora comercial local, editando cinco títulos, não indo adiante por falta de estrutura empresarial. Ainda assim, grandes obras da Literatura produzida no Espírito Santo foram editadas a partir daí: de Renato Pacheco a Lacy Ribeiro, dentre os ficcionistas, e dentre eles os falecidos, são inúmeros os romancistas, contistas e cronistas publicados. Graças, em grande parte, à Fundação Ceciliano Abel de Almeida, da UFES.   

Ultimamente a produção de livros tem sido abundante; nunca se escreveu tanto no Espírito Santo. O IHGES publica na sua área de interesse, a Academia de Letras coordena séries editoriais da Prefeitura de Vitória. Pequenas mas atuantes editoras proporcionam a publicação, como alternativa aos editais e leis de incentivo à cultura, responsáveis pela veiculação de inúmeros autores, em todos os estilos literários. O problema, recorrente, é a distribuição. A melhora da estrutura de comercialização, mais facilidade para encontrar o autor capixaba, maior visibilidade nos meios de comunicação, sem dúvida criariam maior interesse no público leitor. Que, juntamente com o escritor local, teria muito mais o que comemorar, dada a qualidade do que aqui sempre se produziu em matéria literária.

(publicado no Caderno Pensar do jornal A Gazeta de 23/07/2016)