17 de junho de 2016

Ação Penal Militar: Partes, Atores, Rito - Comentários


1. A instauração da Ação Penal Militar
A ação penal militar é iniciada exclusivamente por iniciativa do Ministério Público, seu titular, por meio de denúncia (art. 121 do CPM). Esta deve vir nos termos do art 77 do CPM, devendo conter a narração circunstanciada dos fatos que se reputam criminosos, bem como as razões de convicção ou presunção da delinquência.
Ao contrário do que ocorre no âmbito da Organização Judiciária da União, não há, no âmbito dos estados, uma carreira de Ministério Público Militar. Atua nas Auditorias de Justiça Militar estaduais um promotor de justiça estadual, geralmente de última entrância, que exerce as funções atribuídas ao Ministério Público no Código de Processo Penal Militar.
Nos termos do parágrafo único do art. 19 do Dec. Lei 666/67, os militares estaduais sujeitam-se ao foro militar quando cometem crime militar. O art. 125 da Constituição Federal determina que o foro militar estadual é exercido no primeiro grau de jurisdição pelas Auditorias de Justiça militar estaduais, que no caso do Espírito Santo tem organização idêntica às Auditorias Militares federais. Portanto, o órgão judicante se constitui, via de regra, nos Conselhos de Justiça Militar, integrados pelo juiz de direito, togado, e por oficiais militares da Corporação a que pertença o réu.  Mas como é cediço, após a edição da Emenda Constitucional 45/2004 os órgãos judicantes nas Auditorias de Justiça Militar estaduais passaram a ser dois, os Conselhos de Justiça Militar e o juiz singular, com competência determinada de acordo com o bem jurídico lesionado pela conduta do réu.
2. O réu no processo penal militar:
No âmbito da Organização Judiciária dos estados o réu no processo penal militar é o militar estadual (ou seja, o integrante da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militar) contra quem o Ministério Público imputou na denúncia a prática de conduta tipificada como crime no Código Penal Militar, sendo a peça recebida pelo juiz de direito da Justiça Militar. A este cabe a presidência do processo e as diligências referentes à instrução, mesmo quando o órgão judicante é o Conselho de Justiça Militar - exceção aos pedidos de prisão e liberdade provisória e os incidentes ocorridos em audiência, todos decididos pelo Conselho de Justiça Militar após a oitiva da parte ex-adversa.
Sobre o militar implicado em ação penal militar, temos que o desempenho de sua atividade preventiva (a maior parte das vezes na abordagem a suspeitos) e a atividade repressiva (reagindo a alguma ação de meliantes) é o que causa o maior número de denúncias. Dados estatísticos recolhidos junto à Auditoria de Justiça Militar do Espírito Santo dão conta de que, entre 1990 e 2003, algo da ordem de 59% (cinquenta e nove por cento) do total das ações penais "se referiam a situações de confronto envolvendo o servidor militar estadual, assim incurso nas iras do art. 209 (lesão corporal), caput e seus parágrafos, e art. 205 (homicídio), ambos do CPM" (2007, p. 93).  Não cremos que a situação tenha mudado ao longo do tempo, até mesmo pelo aumento da atividade criminosa em toda parte, notadamente os delitos relacionados ao tráfico de entorpecentes, que determinam uma maior atuação da Polícia Militar.
3. A defesa do réu:
A defesa do réu é exercida por advogado, que é essencial à administração da justiça (art. 133 da CF). Neste sentido, o art. 71 do CPPM dispõe que nenhum acusado será processado nem julgado perante a Justiça Militar sem defensor. Não o apresentando, ser-lhe-á nomeado um pelo juiz (§ 2.º do art. 71).
Na prática as associações de círculos hierárquicos das Corporações (oficiais, subtenentes e sargentos e cabos e soldados) disponibilizam assistência jurídica a seus associados, o que permite que a defesa seja exercida por profissional especializado na matéria.
Registre-se, ainda, que as prerrogativas funcionais do advogado podem condicionar a tramitação do processo, uma vez que a defesa pode requerer a suspensão de ato processual (art. 74 do CPPM) e da sessão de julgamento, por uma vez (art. 431, § 5.º, do CPPM).
4. O rito no processo penal militar:
Breve comentário se impõe com relação ao rito em que se desenrola o processo penal militar, já que ao longo do tempo as modificações legislativas no processo penal comum não o têm alcançado, mantendo inalterada uma codificação editada em 1969.
Assim, no processo penal militar o rito permaneceu ainda hoje idêntico ao observado no processo penal comum anteriormente às modificações introduzidas pela Lei 12.015/2009. No entanto, por conta do princípio da especialização, pela qual a lei geral não se aplica a situações especiais, o rito preconizado no código castrense é obrigatório no foro militar estadual. É o que dispõe o art. 6.º do CPPM:

Art. 6.º: Obedecerão às normas processuais previstas neste Código, no que forem aplicáveis, salvo quanto à organização de Justiça, aos recursos e à execução de sentença, os processos da Justiça Militar Estadual, nos crimes previstos na Lei Penal Militar a que responderem os oficiais e praças das Polícias e dos Corpos de Bombeiros Militares. 

Inobstante isto, e alterando jurisprudência já assentada pela Corte, em recente decisão nos autos do H.C. n.º 127900/AM, de relatoria do Ministro Dias Tófolli, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que se aplica às ações penais regidas pelo processo penal militar dispositivo do art. 400 do Código Processual Penal, o que resulta numa inversão da ordem processual, determinando o interrogatório do réu ao final da instrução criminal.
O cumprimento dessa determinação, introduzindo num sistema fechado, que é o rito do processo penal militar, uma fase a ele estranha, é capaz de criar dificuldades práticas que ainda deverão surgir e que deverão ser solucionadas pelos juízes nas Auditorias Militares, que não poderão perder de vista a legislação especial que ali se aplica. Umas das que já de antemão se afigura é o fato de as exceções oponíveis pela defesa visando a questionar a possibilidade de tramitação da ação, a competência do juízo e a regularidade da acusação, que na forma do art. 407 do CPPM se fazem logo após o interrogatório, já não terem previsão legal nessa fase inicial do procedimento, e portanto deverão passar a ser conhecidas como matéria de ordem pública, em qualquer fase da ação penal.  


Grosso modo, ao réu no processo penal deve ser dada oportunidade de se defender da acusação, instalando-se o contraditório, o que no processo penal  militar até então se fazia imediatamente pelo interrogatório; de se opor a julgador que não considere isento, o que se fazia por meio de exceções, logo após o interrogatório; estar presente e influir na instrução criminal, o que na prática significa poder contraditar e formular perguntas às testemunhas arroladas pela acusação e poder, de sua parte, também arrolar testemunhas. O art. 417, § 2.º, do CPPM, aliás, lhe confere a possibilidade de juntar rol de testemunhas até 5 (cinco) dias após encerrada a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação. Deve lhe ser oportunizado requerer diligências para aclarar algum ponto deduzido na acusação e se manifestar por último sobre as provas que foram apuradas na instrução, o que se estende, da mesma forma, à sessão de julgamento prevista na seção VII do CPPM (arts. 431 e seguintes).