1. A instauração da Ação Penal Militar
A ação penal militar é iniciada exclusivamente por
iniciativa do Ministério Público, seu titular, por meio de denúncia (art. 121
do CPM). Esta deve vir nos termos do art 77 do CPM, devendo conter a narração
circunstanciada dos fatos que se reputam criminosos, bem como as razões de
convicção ou presunção da delinquência.
Ao contrário do que ocorre no âmbito da Organização Judiciária
da União, não há, no âmbito dos estados, uma carreira de Ministério Público
Militar. Atua nas Auditorias de Justiça Militar estaduais um promotor de
justiça estadual, geralmente de última entrância, que exerce as funções
atribuídas ao Ministério Público no Código de Processo Penal Militar.
Nos termos do parágrafo único do art. 19 do Dec. Lei
666/67, os militares estaduais sujeitam-se ao foro militar quando cometem crime
militar. O art. 125 da Constituição Federal determina que o foro militar
estadual é exercido no primeiro grau de jurisdição pelas Auditorias de Justiça
militar estaduais, que no caso do Espírito Santo tem organização idêntica às Auditorias
Militares federais. Portanto, o órgão judicante se constitui, via de regra, nos
Conselhos de Justiça Militar, integrados pelo juiz de direito, togado, e por
oficiais militares da Corporação a que pertença o réu. Mas como é cediço, após a edição da Emenda
Constitucional 45/2004 os órgãos judicantes nas Auditorias de Justiça Militar
estaduais passaram a ser dois, os Conselhos de Justiça Militar e o juiz
singular, com competência determinada de acordo com o bem jurídico lesionado pela
conduta do réu.
2. O réu no processo penal militar:
No âmbito da Organização Judiciária dos estados o réu
no processo penal militar é o militar estadual (ou seja, o integrante da
Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militar) contra quem o Ministério
Público imputou na denúncia a prática de conduta tipificada como crime no
Código Penal Militar, sendo a peça recebida pelo juiz de direito da Justiça
Militar. A este cabe a presidência do processo e as diligências referentes à
instrução, mesmo quando o órgão judicante é o Conselho de Justiça Militar -
exceção aos pedidos de prisão e liberdade provisória e os incidentes ocorridos
em audiência, todos decididos pelo Conselho de Justiça Militar após a oitiva da
parte ex-adversa.
Sobre o militar implicado em ação penal militar, temos
que o desempenho de sua atividade preventiva (a maior parte das vezes na
abordagem a suspeitos) e a atividade repressiva (reagindo a alguma ação de
meliantes) é o que causa o maior número de denúncias. Dados estatísticos
recolhidos junto à Auditoria de Justiça Militar do Espírito Santo dão conta de
que, entre 1990 e 2003, algo da ordem de 59% (cinquenta e nove por cento) do
total das ações penais "se referiam a situações de confronto envolvendo o
servidor militar estadual, assim incurso nas iras do art. 209 (lesão corporal),
caput e seus parágrafos, e art. 205 (homicídio), ambos do CPM" (2007, p.
93). Não cremos que a situação tenha
mudado ao longo do tempo, até mesmo pelo aumento da atividade criminosa em toda
parte, notadamente os delitos relacionados ao tráfico de entorpecentes, que
determinam uma maior atuação da Polícia Militar.
3. A defesa do réu:
A defesa do réu é exercida por advogado, que é
essencial à administração da justiça (art. 133 da CF). Neste sentido, o art. 71
do CPPM dispõe que nenhum acusado será processado nem julgado perante a Justiça
Militar sem defensor. Não o apresentando, ser-lhe-á nomeado um pelo juiz (§ 2.º
do art. 71).
Na prática as associações de círculos hierárquicos das
Corporações (oficiais, subtenentes e sargentos e cabos e soldados)
disponibilizam assistência jurídica a seus associados, o que permite que a
defesa seja exercida por profissional especializado na matéria.
Registre-se, ainda, que as prerrogativas funcionais do
advogado podem condicionar a tramitação do processo, uma vez que a defesa pode
requerer a suspensão de ato processual (art. 74 do CPPM) e da sessão de
julgamento, por uma vez (art. 431, § 5.º, do CPPM).
4. O rito no processo penal militar:
Breve comentário se impõe com relação ao rito em que
se desenrola o processo penal militar, já que ao longo do tempo as modificações
legislativas no processo penal comum não o têm alcançado, mantendo inalterada
uma codificação editada em 1969.
Assim, no processo penal militar o rito permaneceu
ainda hoje idêntico ao observado no processo penal comum anteriormente às
modificações introduzidas pela Lei 12.015/2009. No entanto, por conta do
princípio da especialização, pela qual a lei geral não se aplica a situações
especiais, o rito preconizado no código castrense é obrigatório no foro militar
estadual. É o que dispõe o art. 6.º do CPPM:
Art. 6.º: Obedecerão às normas processuais previstas
neste Código, no que forem
aplicáveis, salvo quanto à organização de Justiça, aos recursos e à execução de
sentença, os processos da Justiça Militar Estadual, nos crimes previstos na Lei
Penal Militar a que responderem os oficiais e praças das Polícias e dos Corpos
de Bombeiros Militares.
Inobstante isto, e alterando jurisprudência já
assentada pela Corte, em recente decisão nos autos do H.C. n.º 127900/AM, de
relatoria do Ministro Dias Tófolli, o plenário do Supremo Tribunal Federal
decidiu que se aplica às ações penais regidas pelo processo penal militar
dispositivo do art. 400 do Código Processual Penal, o que resulta numa inversão
da ordem processual, determinando o interrogatório do réu ao final da instrução
criminal.
O cumprimento dessa determinação, introduzindo num
sistema fechado, que é o rito do processo penal militar, uma fase a ele
estranha, é capaz de criar dificuldades práticas que ainda deverão surgir e que
deverão ser solucionadas pelos juízes nas Auditorias Militares, que não poderão
perder de vista a legislação especial que ali se aplica. Umas das que já de
antemão se afigura é o fato de as exceções oponíveis pela defesa visando a
questionar a possibilidade de tramitação da ação, a competência do juízo e a
regularidade da acusação, que na forma do art. 407 do CPPM se fazem logo após o
interrogatório, já não terem previsão legal nessa fase inicial do procedimento,
e portanto deverão passar a ser conhecidas como matéria de ordem pública, em
qualquer fase da ação penal.
Grosso modo, ao réu no processo penal deve ser dada
oportunidade de se defender da acusação, instalando-se o contraditório, o que
no processo penal militar até então se
fazia imediatamente pelo interrogatório; de se opor a julgador que não considere
isento, o que se fazia por meio de exceções, logo após o interrogatório; estar
presente e influir na instrução criminal, o que na prática significa poder
contraditar e formular perguntas às testemunhas arroladas pela acusação e
poder, de sua parte, também arrolar testemunhas. O art. 417, § 2.º, do CPPM,
aliás, lhe confere a possibilidade de juntar rol de testemunhas até 5 (cinco)
dias após encerrada a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação. Deve
lhe ser oportunizado requerer diligências para aclarar algum ponto deduzido na
acusação e se manifestar por último sobre as provas que foram apuradas na
instrução, o que se estende, da mesma forma, à sessão de julgamento prevista na
seção VII do CPPM (arts. 431 e seguintes).