22 de fevereiro de 2016

Colatina, Rubem Braga... sobre as dificuldades da primeira crônica



Sendo a primeira vez que encaminho algo para publicação num veículo de Cachoeiro de Itapemirim (agradeço aos editores da Cachoeiro Cult por isso), pus-me a pensar nas minhas lembranças e ligações afetivas primeiras com a terra de Sérgio e de Raul Sampaio. E assim fui chegando – tão óbvio! – à pessoa de Rubem Braga, cuja leitura fez parte da minha vida muito antes das excursões noturnas pela cidade, no comando de uma das guitarras da banda Urublues, que é a minha lembrança seguinte de Cachoeiro. Tínhamos público na cidade nos idos dos anos 90, lembro-me de várias apresentações. Mas é assunto que, sem dúvida, pode ficar para uma outra vez.

Porque por agora quero recordar meu contato mais antigo com a obra do cronista cachoeirense, mais especificamente o volume Ai de ti, Copacabana, isso nos idos de 1979. Cursava o chamado primeiro ano científico, no Colégio Marista de Colatina, e tinha de aderir a alguma atividade da Semana Cultural da escola, sob pena de não obter nota no bimestre. Não sem maldizer a rígida disciplina escolar de então foi que fiz inscrição no Festival de Crônicas e Poesias. E não tendo inspiração (muito menos rodagem, pensei logo) para escrever poesia, resolvi que escreveria mesmo uma crônica. O que alardeei na sala de aula, pra ganhar tempo. “Como não tem forma fixa e pode-se falar de qualquer coisa, depois vejo o que faço”, pensamento que me punha a salvo de chateações por mais alguns dias.

Até que chegou a véspera do dia de fazer a inscrição da obra, a data em que o escrito tinha de seguir para revisão dos professores antes de ser “dado a público”. E aí, o que fazer?, sobressaltei-me logo pela manhã; O que é mesmo esse negócio de crônica? Quem me ajuda? É claro que as professoras de português não ajudaram, dada a minha autossuficiência de até um dia antes. Mas uma delas, acho que penalizada pelo desespero que eu não conseguia disfarçar, sugeriu: “procure numa biblioteca algum livro de um escritor capixaba chamado Rubem Braga”. E ainda facilitou: “qualquer um serve”.

E esta agora? – Eu já sem um pingo de paciência e tendo de ler escritor capixaba pra fazer dever de casa pra amanhã - que no dia seguinte era o prazo final. Mas fui procurar sim: naufragaria debaixo da supervisão da professora, a ver se amenizava as recriminações, que já considerava certas. E aí foi que na biblioteca da Associação Atlética do Banco do Brasil (cuja sede era só atravessar a rua, minha casa ficava em frente), eu fui escolher, por causa do título, Ai de ti Copacabana, entre os vários títulos que havia lá. E então lá mesmo abri, e comecei a ler. 

- O que é isso?, pensei comigo, passados alguns minutos de leitura. Quem é esse cara? Como é que ele me escreve de uma maneira que não dá vontade da gente parar nem pra jogar bola?, que da quadra de futebol de salão já vinham se insinuando uns barulhos até à biblioteca.        

Era ele. Certo, a ilustração da sereia ajudava, me ajudou muito a abrir o livro e a levá-lo pra casa, emprestado, pra entregar no outro dia. Mas era ele, Rubem Braga, em grande estilo. Quanto mais lia, mais me animava; ao me deparar com a crônica “O poema que não foi aprovado”, acho que no fundo até já tinha a ideia de mandar alguma coisa para a tal da coluna dele na revista Manchete.

Não vou declarar aqui, de público, que eu tenha aprendido, porque não sei se alguém pode dizer isso em sã consciência. Mas posso dizer que, imodestamente como todo colegial necessitado, comecei na mesma noite a tentar escrever crônica, e na terceira tentativa acabei “produzindo” a “Sobre as dificuldades de se escrever uma crônica”, que no verdor daqueles anos sufocantes de Colatina me daria o primeiro prêmio literário. 

Sim, o desfecho dessa história acabou sendo feliz; por isso é que me orgulho dela e por isso é que a relembro agora. Foi tudo graças ao velho Rubem, a quem nunca canso de honrar e de agradecer. E em nome de quem, ribeirinho lá do norte que me considero também, saúdo essa bela terra, junto às serras, do belo Itapemirim.   


                                         (publicado na Revista Cachoeiro Cult n.º 56, fev/2016)