O Jornal A Gazeta desta sexta-feira, 13/12/2013, traz matéria de capa sobre promessas não cumpridas do Governo Federal com relação a obras de infraestrutura no Espírito Santo: o aeroporto, rodovias, ferrovias e porto de mar. O problema, como disse o repórter na matéria, é antigo; não só de décadas, como constou ali, mas de século.
No ano de 2012 o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo reeditou escritos de um político espírito-santense que tratou diretamente desse assunto, o futuro presidente do estado e senador José de Melo Carvalho Moniz Freire. É que, se o problema precisa continuar a ser atacado hoje em dia, pensamos nós do IHGES que seria interessante dar a conhecer seus antecedentes, e nada melhor que a cruzada de Muniz Freire, que nas suas petições ao Imperador simboliza todo o esforço que vem sendo despendido desde então com relação a esse assunto.
Transcrevo, abaixo, a minha apresentação da segunda edição da obra de Muniz Freire, pondo a relevo o propósito do autor.
"Este
Cartas a S. M. o Imperador reúne sete
editoriais escritos por José de Mello Carvalho Muniz Freire para o jornal
Província do Espírito Santo, periódico dirigido por Cleto Nunes e o próprio
Muniz Freire. Em 1885 os textos foram
reunidos e publicados em forma de livro, contando trinta e três páginas.
Trata-se
de um libelo em defesa da província do Espírito Santo, cujos negócios públicos
eram desdenhados e mesmo, a se dar crédito a Muniz Freire, sabotados pelos
governos do Império, ao argumento de que a província gastava mais do que produzia.
O
Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo considera oportuno tirar uma
segunda edição do livreto numa quadra em que o debate sobre a possibilidade de
desenvolvimento econômico e social do Espírito Santo volta a ser posta em causa
com mais intensidade pelas providências de cunho econômico adotadas pelo
governo central, e que repercutem fortemente nas rendas estaduais.
Muniz Freire:
José
de Mello Carvalho Muniz Freire foi advogado, político e jornalista. Nasceu em
Vitória aos 13 de junho de 1861. Ainda aluno do Atheneu Provincial fundou com
colegas o semanário A Aurora,
primeiro periódico fundado no Espírito Santo a partir da iniciativa de
estudantes. Em 1877 matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife, ali
vivendo por três anos, até mudar-se para São Paulo, onde se formou, em 1881. No
Recife ajudou a fundar A Gazeta Acadêmica,
daquela faculdade, e em São Paulo foi redator chefe do O Liberal Acadêmico, ligado ao Partido Liberal. Colaborou, ainda,
no Opinião Liberal, de Campinas.
Retornando
ao Espírito Santo, no início de 1882, juntou-se ao colega de faculdade Cleto
Nunes para fundar o A Província do
Espírito Santo, que inicialmente circulou como trissemanário e foi, logo em
seguida, o primeiro diário a circular em terras capixabas. Jornal de ideias,
colocando em relevo temas cruciais para o desenvolvimento do Espírito Santo,
teve repercussão dentro e fora da província, possibilitando a divulgação das
ideias de Muniz Freire.
Com
sua intensa atividade advocatícia e jornalística, iniciando-se na política, já
em 1884 Muniz Freire obteve cadeira na Assembleia Provincial. Encerrado o
mandato em 1889, representou o Espírito Santo como deputado geral. Reelegeu-se
em 1890 para a Constituinte, até obter o primeiro mandato de Presidente do Estado,
de 1892/1896. Findo este primeiro mandato, é designado para representar o
Espírito Santo como delegado-geral em Paris de 1887 a 1889. Retornando ao
Espírito Santo, reelege-se Presidente do Estado para o quadriênio 1900/1904.
Foi senador pelo Espírito Santo de 1906 a 1915, onde continuou sua atuação
crítica. Em 1912 protagonizou debates com o senador Bernardino Monteiro acerca
de temas afetos à governança do Estado, estando o governo então nas mãos de
Jerônimo Monteiro. Muniz Freire faleceu no Rio de Janeiro, a 3 de maio de 1918.
É patrono da Cadeira 17 da Academia Espírito-santense de Letras.
O
interesse por Muniz Freire e contemporâneos, a exemplo de Afonso Cláudio, vem
sendo reavivado ultimamente, ao se lhes reconhecer o papel de construtores da
modernidade do Espírito Santo. De fato, atuando num período crucial para a vida
do país, aquele da transição entre as formas monárquica e republicana de
governo, Muniz Freire e seus contemporâneos tinham quase tudo a construir, a
definir, a implantar, agora em novos moldes, em grande medida distintos
daqueles em que se assentava até então o modelo de Estado no Brasil. O debate
franco de ideias – aliás, na forma exaltada com que se havia o próprio Afonso
Cláudio (influência, talvez, de Tobias Barreto?) foi uma forma de iniciar uma
carreira de pensador que levou Muniz Freire ao protagonismo executivo, quando,
exercendo a mais alta administração estadual, teve a oportunidade de colocar em
prática suas ideias.
As Cartas ao Imperador:
Muniz
Freire dizia-se liberal antes de republicano. E o era, como comprova, no
mínimo, sua atuação em jornais paulistas ligados ao Partido Liberal a que
fizemos menção acima. Assim, procurava não criar animosidades com o governo
imperial, até mesmo para não atrair má vontade para as causas que propunha.
Acreditando
que o desenvolvimento do Espírito Santo estaria ligado, inicialmente, à
implantação da via férrea entre Vitória e Natividade, a fim de proporcionar o
escoamento da produção, Muniz Freire inicia sua peroração referindo o recente
arquivamento, pelo Senado do Império, de um projeto que concedia subvenção a
uma empresa de navegação do Rio Doce. Relembra, então, ao Imperador, que não é
de pouco tempo que a província “solicitava a escala de todos os paquetes da
Companhia Brazileira pelo porto da Victória”, como forma de incrementar o
comércio local, e lembra que “a Capital do Amazonas foi dotada com essa
navegação, por ocasião da renovação do contrato”.
Ao
logo dos sete editoriais, Muniz Freire faz ver a necessidade de se implantar um
mínimo de infraestrutura para permitir a exploração das potencialidades da
província. Para demonstrar a viabilidade da canalização de verbas públicas para
o Espírito Santo, apresenta dados contábeis que demonstram que as rendas aqui
geradas integravam-se ao caixa geral do Tesouro, sem maiores proveitos locais –
antes, vendo-se a nível nacional o simples arquivamento/adiamento de pleitos
que considerava serem direitos da província, a exemplo do referido projeto
sobre a recorrente questão da navegação do Rio Doce, o adiamento da construção
dos prédios da Caixa Econômica e da Alfândega e a substituição do projeto de
construção da via férrea da Natividade por um outro, mais oneroso e demorado.
Encampando
a opinião de Inglês de Souza, que no seu Relatório de Governo, em 1882,
propugnava para Vitória um papel de centralização na atividade comercial da
província (como constatei em “O Acadêmico Inglês de Souza e a presidência da
Província do Espírito Santo”, Revista da
Academia Espírito-santense de Letras, 2007, p. 55 e ss) Muniz Freire
observa que “o engrandecimento desta província depende da concentração de suas
forças, da convergência de todos os elementos prósperos para esta capital”.
Sugere, ao final das Cartas, a subvenção da navegação do Rio Doce para o
escoamento da produção do norte de Minas Gerais e o prolongamento da estrada de
ferro de Carangola a Cachoeiro de Itapemirim, como meio de trazer ao Baixo
Itapemirim, e daí até Vitória, a produção do sul, bem como a subvenção da
navegação entre os portos da província e entre Vitória e a Corte, por um lado,
e portos estrangeiros, por outro.
Como
referido, a divulgação das ideias de Muniz Freire na província e fora dela
foram determinantes na formatação de sua vitoriosa carreira política, que
contemplou demandas de interesse geral, a exemplo da questão do voto secreto.
A atualidade das Cartas ao
Imperador:
Os tempos são outros, mas as dificuldades a
nível nacional para o Espírito Santo parecem se mostrar as mesmas. Para Muniz
Freire, estas dificuldades tinham sua gênese na equivocada percepção, pelo
governo central, de que a província era deficitária, o que provou ao longo dos
textos não ser verdade.
A
cruzada de Muniz Freire é uma questão recorrente e atual. As demandas
estaduais, passados quase cento e trinta anos da publicação das Cartas,
permanecem, no fundo, as mesmas. Os infindáveis problemas de ordem burocrática
impedem a implantação de uma infraestrutura moderna e mais eficiente no
Espírito Santo. As questões referentes ao aeroporto da Capital, da duplicação
da BR -101 e da modernização dos portos, da rediscussão de alíquotas de
impostos estaduais e da regulação do marco exploratório de petróleo no seu
litoral, como noticiado regularmente na imprensa local, parecem obstruir a
plena concretização da vocação de entreposto comercial do estado. Esse papel,
preconizado por muitos ao Espírito Santo, depende de eficiência na utilização
de seus recursos naturais e de uma logística que possa lançar mão de
infraestrutura adequada, sem o que os índices de desenvolvimento regional parece
restarão sempre dificultados.
A
reversão desse quadro passa, também, pela conscientização da população, visando
a uma maior participação de todos nos debates e notadamente na fiscalização dos
gastos públicos. E a conscientização se faz, também, pelo resgate das origens
do problema e da atuação dos que dele se ocuparam ao longo do tempo, o que
pretende o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo com esta reedição
dos escritos de Muniz Freire.
A presente edição:
Este
volume trata-se da reedição de Cartas a
S. M. o Imperador: Editoriaes da “A Província do Espírito Santo”, publicado
em Vitória na forma de livro em 1885, edição da Tipografia d’ A Província, originalmente
em 33 páginas; reúne sete editoriais redigidos por Muniz Freire para o jornal
de que era diretor e redator.
Na
sua elaboração foi utilizada uma cópia pertencente aos arquivos do Instituto
Histórico e Geográfico do Espírito Santo, ficando a digitação a cargo de
Luciene Gomes de Sá. A grafia original foi mantida para maior fidelidade".