Florentino Avidos |
Se o tema aqui, voltemos a focar, é “pontes”, e se o propósito confessado deste texto é falar de pontes de importância para a nossa história regional, relembremos então a figura do maior construtor de pontes do Espírito Santo e teremos assim delineados os limites sob que nos cingiremos ao explorar o tema de que passamos a nos ocupar. Como não poderia deixar de ser, essa personagem é um engenheiro. Que, aliás, e avancemos, dá nome à primeira ponte ligando a capital ao continente.
Estamos na gestão 24/28 do governo do Estado do Espírito Santo, e o engenheiro Florentino Avidos sucede ao presidente Nestor Gomes, de quem fora homem de total confiança no Serviço de Melhoramentos de Vitória. Falemos um pouco de Avidos, relembrando ao leitor a sua ilustre figura: engenheiro do Ministério da Agricultura, Viação e Obras Públicas, enormemente recomendado pelo sucesso na construção da ferrovia Vitória-Rio de Janeiro, passando por Cachoeiro de Itapemirim, sua condição de cunhado dos irmãos Monteiro foi de certa forma determinante para sua utilização pelo estrategista Nestor Gomes no apaziguamento das forças políticas que se opunham à sua nomeação para a presidência do Estado.
Integrando o governo Nestor Gomes, demonstrando sua capacidade de trabalho e seu tino político, traduzido numa aparente neutralidade na disputa dos irmãos Monteiro e entre estes e Pinheiro Júnior pelo poder, Florentino Avidos foi o candidato do presidente à sucessão, assim neutralizando todo o intrincado jogo político à altura tecido pelos três grupos políticos dominantes. Selando a paz entre eles, Avidos foi eleito e, repitamos, sucedeu ao presidente Nestor Gomes na gestão 24/28. O que foi fundamental para o Espírito Santo.
Se a ascensão de Florentino Avidos ao governo do Estado o devemos a Nestor Gomes (o Acadêmico Marien Calixte narra com leveza e interesse essa passagem na sua biografia de Avidos para a série “Grandes Nomes do Espírito Santo”, coordenada pelo jornalista Antônio de Pádua Gurgel), os melhoramentos na capital, e principalmente no que cuida da logística de transportes no Estado, o devemos à sorte de ter Florentino Avidos se apaixonado pelo Espírito Santo, terra onde se casou. Devemos a ele, especificamente, a construção das três pontes que contribuíram de maneira mais acentuada para o escoamento de três pontos chaves para o desenvolvimento do Espírito Santo: a ligação da capital ao continente; a ligação entre as margens da cidade de Santa Leopoldina, a mais progressista cidade capixaba da época; a ligação entre as margens do Rio Doce, na época a última fronteira da civilização no rumo do norte do território.
Vamos contextualizar. Toda a pujança da economia capixaba da época se deveu ao comércio do café, que chegava das regiões produtoras do interior para exportação por Vitória. Avidos cuidou da modernização do Porto de Vitória e do desassoreamento da Baía, permitindo o tráfego de embarcações de maior calado. Mas para escoar a produção se fazia necessário melhorar a logística de transporte da região produtora até o ponto de exportação. Avidos cuidou da ponte sobre o Rio Santa Maria de Vitória, via natural de escoamento do café produzido na região centro-serrana. Sobrecarregadas as terras agricultáveis do centro-sul pelo trato pouco eficiente que lhe imprimiam os colonos, Avidos prestigiou o movimento de migração da mão de obra rumo ao norte pela inauguração da primeira ponte sobre o Rio Doce, ligando Colatina a São Silvano. As duas pontes Florentino Avidos – a que se estende entre Vitória/Vila Velha e a que se estende entre Colatina/São Silvano, mais a ponte sobre o Rio Santa Maria, permanecem como testemunho da visão estratégica desse grande modernizador do Espírito Santo.
É o Acadêmico Marien Calixte, biógrafo de Avidos, quem em bela passagem, diz que “da varanda do Palácio Anchieta, ele podia descortinar o futuro: o porto, a Baía de Vitória e, do outro lado, a ferrovia que ele mesmo construíra. Florentino antevia uma longa ponte sobre aquelas águas claras”. Desperto da imagem literária do meu confrade para uma preocupação prática, que faço num parêntese: não havia, então, ligação entre a ilha e o continente, a não ser por embarcações? Havia sim, e Saint Hilaire, que esteve no Espírito Santo e em Vitória nas primeiras décadas do século XIX faz menção a uma ponte de madeira ao norte, no lugar chamado “Passagem de Maruípe”, mas advertindo que ao sul, onde se concentrava o grosso da população, pouco se trazia dos arredores à vila, pelo “estorvo de atravessar a água” naquele ponto. Ainda a esse propósito, de pontes entre a Ilha e o continente, o Acadêmico Renato Pacheco, no texto “A Ilha que sonha ser continente”, publicado no número 44, de 1994, da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, menciona autorização concedida pela Assembléia Provincial, pela Lei n.º 16, de 1858, para a construção de uma ponte da capital a Itacibá, e também uma outra a ser construída do Penedo ao Forte São João – ambas não concretizadas.
Inaugurada em 27 de junho de 1928, foi então a ponte Florentino Avidos a primeira ligação de vulto entre a capital e o continente. Explica o Acadêmico Renato Pacheco no texto já referido que “em verdade eram duas pontes: a primeira, com o aterro do canal, virou viaduto, ligando a Vila Rubim à ex-Ilha do Príncipe”. A segunda é o complexo de cinco vãos, em metal, que o povo batizou de “Cinco Pontes”. A estrutura foi construída na Alemanha pela firma vencedora da concorrência pública, a Maschinenfabrik Augsburg, de Nuremberg, sob fiscalização de Moacir Avidos, engenheiro, filho de Florentino Avidos, e que dirigiu, na gestão do pai, o mesmo Serviço de Melhoramentos de Vitória.
Caminhemos agora em direção ao centro-norte, num caminho inverso ao que trilhavam os barqueiros do Rio Santa Maria, o meio de transporte do café produzido na região central. O Porto de Cachoeiro de Santa Leopoldina, a bela “filha dos sol e das águas” do romance de Graça Aranha, orgulhosa da visita do Imperador D. Pedro II em seus primeiros dias de vida e do florescente comércio que mantinha diretamente com a Europa, inaugurara a expensas próprias, em seus dias áureos, uma ponte metálica sobre o Rio Santa Maria. Em 1921 a municipalidade dirigia ao Congresso Estadual um pedido de dispensa da dívida municipal, alegando que a construção atendia não só aos interesses de Santa Leopoldina, mas também aos dos municípios vizinhos.
Ciente da importância, à época, do entreposto comercial encravado às margens daquela importante via de escoamento da produção cafeeira, Florentino Avidos cuidou de determinar a construção de uma ponte em concreto armado em substituição à original. O Acadêmico Francisco Schwarz, em seu O Município de Santa Leopoldina, registra que nosso administrador lá esteve, em 1927, para inauguração da ponte. Porém, contrariado pelo fato de a largura da construção não atender às suas especificações, “ficou aborrecido e nem sequer parou na cidade”. Mas não consta que esse defeito de construção diminuísse a iniciativa do dinâmico gestor, embora seja fato que as dimensões da construção dificultam, hoje em dia, o tráfego de veículos no perímetro urbano.
Sigamos, agora, o mesmo rumo da migração interna: as fronteiras agrícolas do Espírito Santo marchavam inexoravelmente para o norte, em direção às terras não conquistadas d’alem Rio Doce. As febres sazonais e a permanência tardia de contingentes de populações indígenas, resultado da política setecentista de isolamento da região como entrave natural à penetração em direção às minas, faziam da área um enorme vazio demográfico. O movimento de migração dos descendentes de imigrantes estrangeiros, notadamente italianos e alemães, oriundos da região centro-serrana, cuidava de ir conquistando para o Estado todo aquele vasto território.
Inaugurada a 28 de julho de 1928, um dia depois da inauguração em Vitória, a ponte sobre o Rio Doce tem aproximadamente 700 metros de extensão. Destinou-se, inicialmente, a suportar o trajeto da planejada Estrada de Ferro Norte do Rio Doce, de Colatina a São Mateus, que acabou não sendo construída. A inauguração da obra, aliás, a fez Florentino Avidos no mesmo dia da inauguração da estrada de rodagem Colatina-Santa Tereza, ligando assim a região à capital pela via natural de escoamento (o Rio Santa Maria e, posteriormente, a estrada de rodagem de Santa Leopoldina à capital). A importância da ponte sobre o Rio Doce para o progresso do Espírito Santo é dispensável mencionar-se aqui.
No título chamamos Florentino Avidos o “fazedor de pontes”, pelas muitas que ele construiu em seu governo. Se as mais importantes, as que lhe deram notoriedade, por sua importância estratégica, foram sem dúvida as de Vitória/Vila Velha e a de Colatina, no entanto inúmeras outras construiu pelo interior do Estado, levando desenvolvimento às regiões beneficiadas: em Bom Jesus do Norte, ligando o Espírito Santo ao Rio de Janeiro; Nazareth, ligando os municípios de Cariacica e Santa Leopoldina; Rio Marinho, ligando Cariacica e Vila Velha; Bananal; Nova Venécia; Rio Novo do Sul; Muqui-Paineiras; Castelo-Angá, Amarelo; Rio Dourado; Rio Norte; Sabino Pessoa, como consta de seu relatório de governo.
Ousemos, aqui, para finalizar, tentar construir uma imagem que contemple Florentino Avidos como construtor, também, de uma outra espécie de ponte, uma ponte entre o ideal e os meios materiais indispensáveis à sua concretização, qualquer que seja sua natureza: foi por meio de lei de sua iniciativa, a n.º 1.515, de 1925, que o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo foi dotado de sede própria para seu funcionamento, por doação do prédio sede do Clube dos Boêmios, no Parque Moscoso. Neste local, mas em prédio reformulado, funciona ainda hoje a nossa Casa, oitenta e cinco anos depois da doação devida ao descortino do “benemérito” Florentino Avidos, como o chamou o Acadêmico Renato Pacheco, presidente de honra do Instituto. Na passagem dos cento e quarenta anos do nascimento de Florentino Avidos, a Casa do Espírito Santo guarda viva a memória de seu benfeitor, um daqueles administradores desta terra empenhados no trabalho de construção de pontes entre um passado por vezes difícil e um futuro de modernidade.