23 de setembro de 2010

O DEBATE NACIONAL ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E TAXA DE DESEMPREGO


Não, hoje não tem jeito. Às manchetes do dia 23/09, sobre a reação de algumas personalidades esclarecidas à verborragia inconseqüente do primeiro mandatário da coligação atualmente no Poder (já que o personagem faz questão de se eximir de sua função de, como supremo magistrado do país, arbitrar disputas partidárias normais num período eleitoral), contrapõem-se outras, dizendo que nunca antes na história deste jovem país, nascido em 2002, a taxa de desemprego teve índice tão baixo. Dados do IBGE.


A primeira premissa deste texto, como deveria ser a de todos os textos sobre o assunto, é que a opinião pública é uma coisa, a opinião popular é outra. O que já percebeu, com seu instinto político peculiar, o primeiro mandatário da coligação atualmente no Poder. Neste sentido, não tem nada demais o personagem pretender se assumir como “a” opinião pública, porque esta é aquela veiculada pelos meios de comunicação, concertada pelos “formadores de opinião”. A opinião popular é outra coisa: é a impressão que resta, no destinatário, dos fatos e notícias que lhe são passadas pelos meios de comunicação.

Neste sentido, a fala do primeiro mandatário da coligação atualmente no Poder não deveria causar estranheza. A chegada ao Poder, a sua manutenção durante os oito anos de mandato, tudo foi obra dele – embora, obviamente, mediante condutas determinadas pelo prévio planejamento dos competentes teóricos da sua coligação. Seu espantoso instinto político, externado por meio de um carisma irresistível às massas, funciona como catalisador de rançosas teorias gramscianas testadas com excitação, como num balão de ensaio, pelos “pensadores” do regime. Neste sentido, o governo da coligação atualmente no Poder haverá de ser estudado em toda parte, por teóricos daquela ideologia que pode ser identificada, com superficialidade, como “de esquerda”, como uma das mais bem sucedidas experiências de desembarque no e manutenção do Poder num país ocidental de regime teoricamente democrático.

Mas voltemos ao ponto. A verborragia inconseqüente do primeiro mandatário se deu logo em seguida ao fato de um segmento da imprensa, não comprometido com o projeto de poder da sua coligação, ter denunciado desmandos na Casa Civil – que no Brasil, sabemos, é o equivalente ao primeiro-ministério do regime parlamentarista. A conseqüência natural, mesmo no Brasil, seria, e foi, a queda de alguns pontos na liderança da candidata da coligação atualmente no Poder, como noticiam os jornais de 23/09. Daí a divulgação imediata dos dados tranquilizadores do IBGE.

A opinião popular, a contrário da opinião pública, não se preocupa com liberdade de imprensa. A opinião popular se preocupa é com o desemprego. Uma bolsa do governo para viver, no mínimo. E não se pode comparar a bolsa do governo a esmola, a assistencialismo nem a coronelismo: a reação imediata é a afirmação da exigência de igualdade social, no mínimo como exigência de implementação de um programa mínimo de garantia dos direitos humanos da população, que esteve sempre aquém das preocupações do modelo econômico neoliberal de antes do 2002 etc.

O que faz sentido. Os dados sobre índice de desenvolvimento humano e distribuição de renda no país são incontestáveis. Por este motivo a estratégia de campanha da oposição não contemplou ataques à exacerbação (já que o programa foi iniciado na pré-história do Brasil, nos obscuros anos pré-2002) do programa de bolsas do governo. Que, aliás, funciona também como um “depurador” do mercado de trabalho, afastando das exigências de colocação ocupacional digna os menos aptos (numa linguagem afeita à teoria da seleção natural, aliás originada de uma teoria econômica, a de Malthus) – o que é uma outra história.

O que se constata é que, uma semana depois da revelação de aparentes negociatas no núcleo duro do governo, com a imediata reação destemperada do primeiro mandatário da coligação atualmente no Poder, a oscilação nos índices das candidaturas se manteve dentro da variação contemplada nas margens de erro.

Este fato demonstraria, numa análise apressada, a diferenciação entre opinião pública e opinião popular como a indiquei acima. Mas a esta conclusão não se pode chegar assim, apressadamente, porque o objeto de análise está impregnado de um ruído, que é o tradicional pouco interesse da opinião popular pelos debates institucionais. Por outra, não interessa que os lucros de uma ou de outra rede de comunicação aumentem ou diminuam, desde que “eu também tenha o meu” - porque o atual debate institucional, que só pode ser passado pela atuação dos meios de comunicação, acaba chegando à opinião popular como disputa por mais espaço (mais leitores/telespectadores, mais influência, logo mais lucro) entre o jornal “a” e o “b”, entre a televisão “a” e a “b”. Esta simplificação, aliás, é feita pelos próprios pensadores que dão sustentação teórica ao regime.

Façamos por desculpá-la, à opinião popular. Em termos estritamente sociológicos, e com o perdão da academia, não se pode pretender, mesmo com todo o avanço tecnológico desde os anos 60 do século XX, que a média da população brasileira seja muito diferente, por exemplo, daquele perfil traçado no início dos anos 20 por Monteiro Lobato no Urupês. É que a educação não mudou tanto assim desde a época de Lobato. Ainda que este tenha sido, na sua análise, irônico e até amargo, pelas conseqüências de seu protagonismo na cena política (em sentido amplo) de então, sua descrição do caráter do povo era inquietantemente real. Leiam, por exemplo, em A Velha Praga: “Cisma o caboclo à porta da cabana. Cisma, de fato, não devaneios líricos, mas jeitos de transgredir as posturas com a responsabilidade a salvo”. Ou, no conto homônimo Urupês, a descrição do proceder do “povão” em matéria eleitoral: “o fato mais importante de sua vida é, sem dúvida, votar no governo [...] Vota. Não sabe em quem, mas vota”.

Sem maiores aprofundamentos de cunho sociológico, inviáveis aqui – por que peço novamente perdão à academia - a diferença maior no decorrer desse tempo é o acesso infinitamente maior da população à informação desde meados do século XX. Ou seja, o acesso infinitamente maior da opinião popular à opinião pública, a veiculada pelos meios de comunicação.

Ao contrário de ter sido totalitário, como vem sendo acusado, o primeiro mandatário foi é honesto naquela sua afirmação sobre a opinião pública. Até mesmo porque não precisa deixar de sê-lo a esta altura da disputa eleitoral. O debate atual, então, sobre o limite de atuação das instituições republicanas – no caso imprensa e presidência da república - se faz, na verdade, entre a “sua” opinião pública e a outra, a não comprometida com o projeto de poder da sua coligação.

E é dessa forma que o debate chega até a opinião popular, ao descendente do nosso bravo Jeca Tatu: como mero esperneio de quem vê seus lucros minguarem, escamoteando, dessa forma, o que verdadeiramente está em jogo. Aliás, o que realmente está em jogo, o papel da imprensa ou a diminuição do desemprego? Dessa resposta dependem os rumos do Brasil pós 03 de outubro