Lendo o excelente volume Crônicas do Cotidiano: A vida cultural de Pernambuco nas crônicas de Gilberto Freyre, recém-editado pela Fundação que leva o nome do Mestre de Apipucos, vejo lá o texto O Recife sim, Recife não! em que o mestre reclama da inovação de grafar o nome de sua cidade sem o artigo definido, atribuindo essa prática a um “carioquismo” que invadia a imprensa local contemporânea. O fato é que, diz ele, o recifense autêntico referia-se a sua cidade como “o Recife” (ao menos na década de 80, data do texto publicado no jornal Diario de Pernambuco).
O protesto de mestre Gilberto Freyre lembrou-me o nosso Eurípides Queiroz do Valle, desembargador do Tribunal de Justiça, membro da nossa Academia de Letras e do nosso Instituto Histórico. O autor, versado, cioso e saudoso das boas tradições capixabas, publicou crônica (posteriormente colecionada no seu Micrólogos, de 1968) datada de Abril de 1951, intitulada Cidade de Vitória em que chama a atenção para o fato de que nossa cidade sempre fora chamada, inclusive em documentos, a Vitória, e não simplesmente Vitória, o que tachou de “deturpação recente”.
Por interessante, não me furto a transcrever fielmente as palavras do ilustre cronista:
“Passará no próximo dia 8 de setembro o quarto centenário de batismo da Cidade de Vitória. O Governo e as instituições culturais do Estado se aprestam para festejá-lo condignamente. Disse centenário de batismo e disse bem. Porque o que se vai comemorar não é o nascimento, mas o batismo da cidade. Vitória já existia em 8 de Setembro de 1551. Com outro nome, é certo, mas já existia. Trazia um apelido de casa. Era denominada VILA NOVA para que não se confundisse com a Vovó, com a VILA VELHA, já existente no continente. Com a vitória definitiva dos portugueses sobre os terríveis selvagens que tanto trabalho deram aos primeiros colonizadores, a povoação passou a chamar-se Vila da Vitória. Era uma homenagem. Homenagem com que os velhos portugueses procuravam perpetuar a sua coragem e destemor. A denominação pegou. Atravessou quatro séculos e aí está. Mas está, meus amigos, um tanto deturpada. Que me perdoem os Drs. Mário Freire, Heráclito Pereira, Ceciliano Almeida, Eujenio de Assis e outros Mestres. Se a denominação foi dada para lembrar uma vitória, a cidade devia ser então CIDADE DA VITÓRIA e não Cidade de Vitória. Essa deturpação, porém, deve ser recente. Porque desde a sua elevação à Vila que ela vem sendo VILA DA VITÓRIA. Assim a denominaram em seus trabalhos os historiadores Misael Pena e Braz Rubim entre os nossos e Brito Freire e Porto Seguro, entre os estranhos. Nos documentos oficiais também. A própria carta de lei de 18 de Março de 1832 em que o Sr. D. Pedro ‘pela graça de Deus e unânime aclamação dos Póvos’ houve por bem elevar a Vila à Cidade, oficializou a expressão CIDADE DA VITÓRIA. Trata-se, portanto, de denominação consagrada pelos historiadores, pelo uso, pelos documentos oficiais e pela própria lei.
Estamos no ano em que vamos festejar o quarto centenário desse batismo. E como seria interessante volver agora à tradição e fazer com que os atos oficiais dos Poderes Públicos do Estado e a nossa própria correspondência particular começasse, desde já, a ser datada da CIDADE DA VITÓRIA! Aí, fica, meus amigos, a sugestão.”
Sugestão esta, ao que se vê diariamente, não acatada. Arcaísmo? Tema para discussões bizantinas? Cada um que julgue. Mas discuta, como instigaram ambos os mestres em seu tempo.
O protesto de mestre Gilberto Freyre lembrou-me o nosso Eurípides Queiroz do Valle, desembargador do Tribunal de Justiça, membro da nossa Academia de Letras e do nosso Instituto Histórico. O autor, versado, cioso e saudoso das boas tradições capixabas, publicou crônica (posteriormente colecionada no seu Micrólogos, de 1968) datada de Abril de 1951, intitulada Cidade de Vitória em que chama a atenção para o fato de que nossa cidade sempre fora chamada, inclusive em documentos, a Vitória, e não simplesmente Vitória, o que tachou de “deturpação recente”.
Por interessante, não me furto a transcrever fielmente as palavras do ilustre cronista:
“Passará no próximo dia 8 de setembro o quarto centenário de batismo da Cidade de Vitória. O Governo e as instituições culturais do Estado se aprestam para festejá-lo condignamente. Disse centenário de batismo e disse bem. Porque o que se vai comemorar não é o nascimento, mas o batismo da cidade. Vitória já existia em 8 de Setembro de 1551. Com outro nome, é certo, mas já existia. Trazia um apelido de casa. Era denominada VILA NOVA para que não se confundisse com a Vovó, com a VILA VELHA, já existente no continente. Com a vitória definitiva dos portugueses sobre os terríveis selvagens que tanto trabalho deram aos primeiros colonizadores, a povoação passou a chamar-se Vila da Vitória. Era uma homenagem. Homenagem com que os velhos portugueses procuravam perpetuar a sua coragem e destemor. A denominação pegou. Atravessou quatro séculos e aí está. Mas está, meus amigos, um tanto deturpada. Que me perdoem os Drs. Mário Freire, Heráclito Pereira, Ceciliano Almeida, Eujenio de Assis e outros Mestres. Se a denominação foi dada para lembrar uma vitória, a cidade devia ser então CIDADE DA VITÓRIA e não Cidade de Vitória. Essa deturpação, porém, deve ser recente. Porque desde a sua elevação à Vila que ela vem sendo VILA DA VITÓRIA. Assim a denominaram em seus trabalhos os historiadores Misael Pena e Braz Rubim entre os nossos e Brito Freire e Porto Seguro, entre os estranhos. Nos documentos oficiais também. A própria carta de lei de 18 de Março de 1832 em que o Sr. D. Pedro ‘pela graça de Deus e unânime aclamação dos Póvos’ houve por bem elevar a Vila à Cidade, oficializou a expressão CIDADE DA VITÓRIA. Trata-se, portanto, de denominação consagrada pelos historiadores, pelo uso, pelos documentos oficiais e pela própria lei.
Estamos no ano em que vamos festejar o quarto centenário desse batismo. E como seria interessante volver agora à tradição e fazer com que os atos oficiais dos Poderes Públicos do Estado e a nossa própria correspondência particular começasse, desde já, a ser datada da CIDADE DA VITÓRIA! Aí, fica, meus amigos, a sugestão.”
Sugestão esta, ao que se vê diariamente, não acatada. Arcaísmo? Tema para discussões bizantinas? Cada um que julgue. Mas discuta, como instigaram ambos os mestres em seu tempo.