17 de abril de 2010

"NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS"II


A PEC 89/2003 repristina velhas eras da História do republicanismo no Brasil. A contrário do que pensam os atuais pensadores da ordem pública brasileira, as prerrogativas da magistratura (os "privilégios", na linguagem dos "formadores de opinião") já foram amplamente debatidos, quando da mudança de regime no país. Em especial a vitaliciedade (garantia maior da imparcialidade dos magistrados, que por conta disso não ficam coagidos a atender em suas sentenças interesses de quem os possa demitir) era considerada uma afronta ao princípio do igualitarismo inaugurado pela ordem republicana, extintos que foram privilégios de nascimento e de classe na Carta de 1891.

Grandes teóricos, a exemplo de Hamilton, um dos construtores do federalismo norte-americano, de Rui Barbosa, um dos delineadores do Direito Público brasileiro, demonstraram o contrário, e puseram em relevo a necessidade de garantir decisões que, proferidas por homens, pudessem utlizar-se de outros parâmetros decisórios que não o medo de desagradar quem os pudesse demitir, privando-os de seu sustento.
Assim, e aceita essa alta ponderação em favor do interesse maior na ocasião, a imparcialidade nas decisões judiciais, tal garantia passou a integrar a ordem constitucional brasileira, desde a primeira ordem republicana: art. 57 da Constituição de 1891; art. 64, alínea "a", da Constituição de 1934; art. 91, alínea "a", da Constituição de 1937; art. 95, inciso I, da Constituição de 1946; art. 108, inciso I, da Constituição de 1967; art. 113, inciso I, da Emenda Constitucional n.º 01/69 e finalmente art. 95, inciso I, da Constituição de 1988.

Voltando o debate político à situação em que estava nas vésperas da República (agora sob o argumento de "impunidade dos juízes"), outros os valores perseguidos hoje, onde a existência de uma margem esperada de desvio de conduta pretende-se expurgada já na esfera administrativa (em detrimento de todos os outros interesses ponderáveis e desprestigiando a "sentença judicial", única que há 120 anos desinveste o magistrado da função pública), não se perde de vista que o interesse, aí, é, concorrentemente, deslocar a decisão sobre perda do cargo para um eixo central - leia-se o CNJ - obstaculizando, assim, possíveis manifestações do "espírito de corpo" dos tribunais locais.

Mas não há dúvida de que o preço a pagar é muito mais alto do que se o vende à opinião popular de maneira superficial. Aqui relembro palavras de um daqueles jurisconsultos que trabalharam no desenvolvimento das idéias publicistas que moldaram as instituições brasileiras: o capixaba Afonso Cláudio de Freitas Rosa, egresso da Faculdade de Direito do Recife, primeiro presidente republicano do Espírito Santo e primeiro presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo após sua reinstalação, em 1891, respondendo a consulta sobre irredutibilidade de vencimentos de magistrados (in Consultas e Pareceres.Vitória: Artes Graphicas da Victoria, 1918, p. 82/96):

"A vitaliciedade é um estímulo ao serventuário [em geral], que assegurando-lhe os meios materiais de existência, incita-o a especializar-se com esmero, dedicação e inteligência no desempenho do mister em que foi provido. [...]a independência dos atos, a imparcialidade e justiça nos julgamentos, a circunspecção na conduta social, seriam descabidas se a magistratura não tivesse o amparo da vitaliciedade [...]

Nem se pode compreender que incumbindo ao Poder Judiciário a atribuição de se pronunciar e decidir sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos atos emanados dos poderes legislativo e executivo, declarando-os válidos ou não, pudesse exercê-la com independência, se livre fora aos governos destituir os magistrados de suas funções, sempre que as decisões não lhes agradassem.

De nada mais precisaríamos para a completa subversão no país do regime legal"

Há 90 anos. Mas outros os tempos, outros os problemas, outras as soluções. Só não se justifica a repetição caprichosa do passado, simplesmente porque se perde tempo no caminho em direção ao futuro.