No quinto aniversário do pontificado de Bento XVI faz sentido colocar-se em relevo a percepção das consequências da sucessão de um filósofo, que era Karol Wojtyla, por um teólogo, que é Joseph Ratzinger. Este, talvez, o maior teólogo vivo, acadêmico brilhante, cujo maior desafio pessoal em termos práticos pareceu ser, à altura, fazer o pastor de almas falar acima do professor de mentes. Para os detratores, aliás, mesmo os que conseguem penetrar o seu elevado pensamento, o parâmetro mais imediato pelo qual continua a ser julgado.
A tônica do pontificado de Ratzinger, Bento XVI, até aqui, é a oposição ao relativismo. Tolerância e convivência não significam afastar-se da verdade, como a entendemos. Não há porque, sendo maioria, conceder à minoria que a verdade por ela professada seja melhor que qualquer outra – quando nada, por não ser maioritária.
A verdade não é relativa. De fato, é uma só, mas o propósito aqui não é fazer teologia nem discutir religião. Esta última, nem mesmo como aquela feita hoje, a face palatável às massas das afirmações teológicas – um fast food teológico da intrincada doutrina cristã.
Gostemos ou não, o relativismo de valores é que, em última análise, põe em causa o sistema penal. A justiça criminal atua por amostragem, atua onde outras formas de coerção social falharam, o que não traz qualquer dificuldade de compreensão, ao menos desde Erlich. Ou seja, o sistema penal faz parte de um sistema maior, integrado pelas normas morais e religiosas, sem as quais fica capenga. Os mesmos atores sociais que nos impingem o relativismo como valor máximo, estribados numa espécie de racionalismo utilitário que no entanto tudo admite menos o conduzir-se de acordo com critérios tradicionais de conduta, os morais e os religiosos, são os mesmos atores que solapam a credibilidade no sistema penal. O que, por um lado, tem sido positivo, porque força à “purificação” do sistema judicial como um todo.
É da mesma espécie, no fundo, a motivação dos que zombam dos dogmas da Igreja Católica. Dogma é uma orientação predeterminada para fixação de uma verdade incontestável da fé católica. É infalível, no sentido de irrevogável, de ser vinculante para verdades centrais da fé. É reformável, para evitar sua caducidade, para “suprir o descompasso da língua, aperfeiçoar as fórmulas usadas, purificar o esquema de pensamento, manter viva a verdade da revelação em sua relação com a existência humana e dar mais clareza e plenitude a esta verdade” (Mysterium Ecclesiae, Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, junho de 1993). Ou seja, o dogma não se discute, mas é atualizável, sempre para captar a verdadeira essência da revelação.
A lei penal, guardadas as devidas proporções, funciona de maneira similar. É incontestável, como núcleo de uma certa forma de organização social que aquela sociedade vem considerando ideal ao longo do tempo. É atualizável, visando a captar, no momento atual, qual é a verdadeira essência do desejo social que lhe dá validade. Mas sua aplicação não pode ser afastada no caso concreto. O critério prático pretenso-hermenêutico de partir do por que se transgrediu a norma penal deve sempre ter em conta que as considerações sobre um certo “finalismo prático” da conduta criminosa, fora das causas legais de justificação, são no mínimo injustas.
Assim, interpretar a lei não significa negar sua aplicação, em nome de ideologias e sem motivação legal para tanto. Da mesma forma que o exercício da convivência e da tolerância não significa abandonar princípios dogmáticos nem determinações de consciência postos, só para ser agradável ou menos incômodo a uns ou a outros.
Numa quadra tão relativista, os pilares da estabilidade social como conhecida historicamente entre nós (a lei, a Igreja Católica) são rudemente espancados. À primeira, a lei, acresce o fato da operação de desmoralização ao Poder Legislativo, com que se transfere a preponderância, em termos metodológicos, da sua interpretação à aplicação pura e simples do precedente judicial recomendado - o na forma de súmulas. À instituição, acresce o “pecado” de, em sendo a mais poderosa instituição do mundo, não ser criação anglo-saxã. Precedentes judiciais (como praticado hoje em dia) e denominações neopentecostais o são.
Em última análise, tenhamos em conta que a intransigência na manutenção de suas orientações confessionais, como praticada por Bento XVI, é o principal exemplo que a Igreja Católica dá ao mundo na salvaguarda do direito à diferença. O fato de a opinião pública não conseguir permear a opinião popular nesta seara específica é o patrimônio maior da Igreja, desde os tempos do Império Romano. Desvios de conduta do clero são outra coisa.
A tônica do pontificado de Ratzinger, Bento XVI, até aqui, é a oposição ao relativismo. Tolerância e convivência não significam afastar-se da verdade, como a entendemos. Não há porque, sendo maioria, conceder à minoria que a verdade por ela professada seja melhor que qualquer outra – quando nada, por não ser maioritária.
A verdade não é relativa. De fato, é uma só, mas o propósito aqui não é fazer teologia nem discutir religião. Esta última, nem mesmo como aquela feita hoje, a face palatável às massas das afirmações teológicas – um fast food teológico da intrincada doutrina cristã.
Gostemos ou não, o relativismo de valores é que, em última análise, põe em causa o sistema penal. A justiça criminal atua por amostragem, atua onde outras formas de coerção social falharam, o que não traz qualquer dificuldade de compreensão, ao menos desde Erlich. Ou seja, o sistema penal faz parte de um sistema maior, integrado pelas normas morais e religiosas, sem as quais fica capenga. Os mesmos atores sociais que nos impingem o relativismo como valor máximo, estribados numa espécie de racionalismo utilitário que no entanto tudo admite menos o conduzir-se de acordo com critérios tradicionais de conduta, os morais e os religiosos, são os mesmos atores que solapam a credibilidade no sistema penal. O que, por um lado, tem sido positivo, porque força à “purificação” do sistema judicial como um todo.
É da mesma espécie, no fundo, a motivação dos que zombam dos dogmas da Igreja Católica. Dogma é uma orientação predeterminada para fixação de uma verdade incontestável da fé católica. É infalível, no sentido de irrevogável, de ser vinculante para verdades centrais da fé. É reformável, para evitar sua caducidade, para “suprir o descompasso da língua, aperfeiçoar as fórmulas usadas, purificar o esquema de pensamento, manter viva a verdade da revelação em sua relação com a existência humana e dar mais clareza e plenitude a esta verdade” (Mysterium Ecclesiae, Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, junho de 1993). Ou seja, o dogma não se discute, mas é atualizável, sempre para captar a verdadeira essência da revelação.
A lei penal, guardadas as devidas proporções, funciona de maneira similar. É incontestável, como núcleo de uma certa forma de organização social que aquela sociedade vem considerando ideal ao longo do tempo. É atualizável, visando a captar, no momento atual, qual é a verdadeira essência do desejo social que lhe dá validade. Mas sua aplicação não pode ser afastada no caso concreto. O critério prático pretenso-hermenêutico de partir do por que se transgrediu a norma penal deve sempre ter em conta que as considerações sobre um certo “finalismo prático” da conduta criminosa, fora das causas legais de justificação, são no mínimo injustas.
Assim, interpretar a lei não significa negar sua aplicação, em nome de ideologias e sem motivação legal para tanto. Da mesma forma que o exercício da convivência e da tolerância não significa abandonar princípios dogmáticos nem determinações de consciência postos, só para ser agradável ou menos incômodo a uns ou a outros.
Numa quadra tão relativista, os pilares da estabilidade social como conhecida historicamente entre nós (a lei, a Igreja Católica) são rudemente espancados. À primeira, a lei, acresce o fato da operação de desmoralização ao Poder Legislativo, com que se transfere a preponderância, em termos metodológicos, da sua interpretação à aplicação pura e simples do precedente judicial recomendado - o na forma de súmulas. À instituição, acresce o “pecado” de, em sendo a mais poderosa instituição do mundo, não ser criação anglo-saxã. Precedentes judiciais (como praticado hoje em dia) e denominações neopentecostais o são.
Em última análise, tenhamos em conta que a intransigência na manutenção de suas orientações confessionais, como praticada por Bento XVI, é o principal exemplo que a Igreja Católica dá ao mundo na salvaguarda do direito à diferença. O fato de a opinião pública não conseguir permear a opinião popular nesta seara específica é o patrimônio maior da Igreja, desde os tempos do Império Romano. Desvios de conduta do clero são outra coisa.