27 de fevereiro de 2015

Breves notas quase-literárias (II): o último Sabalogos na Praia do Suá


Josué Montello dizia que a Academia de Letras é, acima de tudo, lugar de convívio. E no Reencontro com meus mestres: poetas e prosadores, afirma, mais, que “quem não sabe conviver, afasta-se dali”.

É assim, um espaço de convívio (embora isento de qualquer das altas preocupações acadêmicas) o nosso Sabalogos. Para mim, desde 2000, quando retornei do mestrado em Lisboa. Chegando-me aos poucos, assim, como quem nada quer, olhando os livros nas estantes por trás da mesa ocupada pelos tertulianos, gozadores “autores capixabas”, acabei convidado por Renato Pacheco para me juntar a eles. O que fiz, com o beneplácito de Michel Minassa Jr., que cuidou de iniciar meu entrosamento com aqueles senhores. Foram dois sábados seguidos de aproximação.

Ali mesmo, na livraria Logos, no segundo sábado, Renato Pacheco organizava o colóquio sobre os 500 anos do Descobrimento do Brasil, que teria lugar no Instituto Histórico e Geográfico; convidou-me a falar alguma coisa sobre a atualidade de Portugal, e retruquei oferecendo uma comunicação sobre a música portuguesa na época do descobrimento. Não me pareceu muito agradado, mas aceitou e agendou minha palestra. Posteriormente é que vim a saber que Renato não era tido por muito musical...

Essa palestra, aliás, foi monitorada por ele, Renato, e mais João Bonino Moreira e Luiz Guilherme Santos Neves, que da primeira fila do auditório, braços cruzados, avaliavam a performance na estreia de minhas atividades no Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Restou o texto impresso, publicado nos Anais das Jornadas de Navegação.

Portanto, a minha adesão ao Sabalogos pode-se debitar na conta do Instituto Histórico. É que, embora a tertúlia tenha se originado do encontro feliz entre João Bonino Moreira e Sérgio Bichara, consolidou-se com a adesão de outro grupo de frequentadores, o grupo do Instituto Histórico e Geográfico, como recordado por Hormízio Santos Muniz num boletim informativo da Casa.

O Sabalogos é obrigação de todo sábado. Agradável obrigação - há, para mim, lá se vão quinze anos. A notícia do encerramento das portas da livraria Logos da Praia do Suá, onde a tertúlia nasceu, encorpou-se e atingiu a maioridade, tem deixado a todos nós meio que aéreos. Ou, como diz Pedro Nunes, “não quero pensar nisso”.

O que vai acontecer daqui para frente?, preocupação inerente a toda e qualquer mudança, de hábitos e de vida. Creio que um papel preponderante nesta nova fase de “desterro” será desempenhado pelo Caco Appel e outros que, não tendo estado presentes aos nossos “primórdios”, carregam uma carga afetiva menor com relação à nossa quase-instituição.   

21 de fevereiro de 2015

Breves notas quase-literárias (I): meu pai e o Tiro de Guerra


Lendo Reencontro com meus mestres: poetas e prosadores, de Josué Montello, publicado pela Academia Brasileira de Letras, deparo-me com uma passagem sobre as campanhas cívicas de Olavo Bilac; dentre elas, a pelo serviço militar obrigatório, dando margem a lembranças do autor sobre os seus tempos de serviço no Tiro de Guerra em Belém do Pará. Foi o quanto me bastou para, de minha parte, recordar o Tiro de Guerra de Colatina, nos anos de minha meninice: o TG-01-007.

Não, não servi ali. Aos meus 18 anos estava, já, fora de Colatina, prestei concurso para o NPOR, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Sendo aprovado tanto nas provas escritas como nas físicas, optei por pedir dispensa do serviço, do que mais tarde acabaria me arrependendo, mesmo em época de guerra na América do Sul, a das Malvinas. Mas esta é uma outra história.

Lendo Montello - voltemos a ele - veio-me à lembrança o velho Tiro de Guerra de minha cidade, que eu espiava todos os dias ao me dirigir para a escola, o Colégio Marista de Colatina; às vezes vazio, às vezes cheio de recrutas de serviço, principalmente na minha volta para casa de mais um dia de aula.

Com origem em 1902, os Tiros de Guerra foram institucionalizados em 1916 e formam reservistas de 2.ª categoria do Exército Brasileiro, aptos ao desempenho de tarefas de defesa territorial e defesa civil. Trata-se, na verdade, da continuação no tempo de instituições militares lusas, as ordenanças e milícias coloniais, sendo a atual reserva organizada em moldes que lembram aqueles. Na prática, os Tiros de Guerra constituem uma bem sucedida parceria entre o Exército, que fornece equipamentos, fardamento e instrutores, e a prefeitura local, que fornece as instalações.

Nos TG a vida dos atiradores é dura, mas deixa saudades. Assim como Montello, tinha-as meu pai, que a propósito de instrutores amiúde referia o seu, o sargento Pilro. Este sempre me pareceu, das descrições, cioso da sua missão de formador cívico-militar, mas sobretudo zeloso dos meios postos à sua disposição.

Assim é que, nos exercícios de tiro, passado algum tempo de fuzilaria cerrada por parte dos recrutas, o sargento mandava parar o tiroteio, dirigia-se até o alvo e com uma verruma fazia-lhe um furo no centro, para prova do êxito da instrução, declarando em alto e bom som que o objetivo do exercício tinha sido atingido. Todos dispensados, “para não gastar mais munição do glorioso Exército Brasileiro”.

Palavras dele, nas palavras de meu pai, que muito se ria dessas lembranças de juventude.