19 de novembro de 2013

Prefácio - Academia Capixaba dos Novos: Os Anos Dourados da Vida Cultural de Vitória (1946-1952)





A cidade de Vitória sempre foi pródiga em associações e grêmios literários, reunindo em seus quadros o melhor da intelectualidade contemporânea – relembrem-se o Grêmio Literário Domingos Martins, que a partir de 1932 se reunia na sede do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, transformando-se depois no Centro dos Estudantes Capixabas; o Grêmio Literário Ruy Barbosa, a Academia Espírito-santense dos Novos, o Centro Acadêmico da Faculdade de Farmácia e Odontologia, o Centro Acadêmico José Marcelino, da Faculdade de Direito. Sucedendo no tempo a todas essas associações foi criada em 1946 a Academia Capixaba dos Novos, por inspiração de Renato Pacheco, Nélio Faria Espíndula, Antenor de Carvalho e Orlando Cariello.

Era aquela segunda metade da década de 40 um período de grandes transformações, com o fim da Segunda Guerra a nível mundial e da ditadura de Getúlio Vargas a nível nacional. Em Vitória os jovens com pendores para as letras reuniam-se no Bar Estrela e no Café Avenida, onde se discutia política, literatura e os lances finais da Grande Guerra, de que o Brasil naqueles dias via voltar vitoriosa a sua Força Expedicionária.

Para proveito dos que se interessam pela cultura do Espírito Santo o desembargador Romulo Salles de Sá, um daqueles jovens idealistas da Vitória de então, resolveu reunir um feixe de lembranças próprias às de antigos companheiros e assim compor um mosaico da Academia Capixaba dos Novos, recordando um período de verdadeiro fausto cultural local que se deveu, em grande parte, à atuação da associação. Dela, aliás, o desembargador Eurípides Queiroz do Valle, presidente da Academia Espírito-santense de Letras e protetor da casa, dizia ser “a porta de entrada” da Academia maior.

E registre-se para a história da cultura capixaba que assim foi, e neste ponto cito o autor: “Ad majora nati’ – nascida para coisas maiores, a novel entidade cultural desde cedo firmou-se como incentivadora de vocações, ao abrigar sob sua tenda de trabalho as inteligências novas que se iam revelando”. De fato, a maior parte dos jovens acadêmicos de 46 integrou depois a Academia Espírito-santense de Letras. No que, aliás, também foram eles precedidos pelo talento precoce de um de seus idealizadores, Renato José Costa Pacheco, meu antecessor na Cadeira 33 da AEL.

Nestas páginas, uma crônica da história da Academia Capixaba dos Novos e a lembrança de suas realizações materiais. Que, para além da gestação de futuros intelectuais brilhantes, de fato foram muitas, num muito curto período: as atividades entrariam em declínio já em 1952, com a formatura da turma IV Centenário de Vitória do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito do Espírito Santo. Para os jovens acadêmicos era hora de começar a vida adulta e muitos deles o foram fazer fora daqui – foi o caso, além de José Carlos Oliveira, o mais notório, do meu tio Romulo Augustulo de Oliveira Neves, do quadro de correspondentes da casa, que no Rio de Janeiro, onde foi viver, transformou-se no poeta maiúsculo de que se tem breve amostra adiante.

Quanto ao autor, o desembargador Romulo Salles de Sá, era ele o presidente do Tribunal de Justiça quando iniciei, como estagiário, a minha vida no Poder Judiciário do Espírito Santo. Hoje, já mais de vinte anos passados, tenho a honra de me sentar ao seu lado no Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e na Academia Espírito-santense de Letras, casas que o sempre jovem acadêmico ilustra com o seu exemplo e a sua produção intelectual. E o prazer de, com sua permissão, poder juntar a suas lembranças estas singelas linhas de homenagem a tantos ilustres antecessores no interesse pela literatura.

Alvino Gatti, cronista destacado numa terra de cronistas de destaque, captou com propriedade numa crônica de 1980 as marcas que naquele punhado de jovens ficaram das reuniões dos sábados à tarde na sede da Academia Espírito-santense de Letras, a quem os ideais da juventude irmanaram e reuniram num “aglomerado de poetas, sonhadores, escritores ou coisa equivalente”, tornando-os, de fato, em “artífices de sonhos”.

É gratificante chegar tão longe na caminhada da vida e poder ainda se reconhecer nos sonhos de juventude. O autor, um eterno jovem acadêmico, pode, sim, fazê-lo. E neste caso para proveito nosso, os seus leitores.
 
(Agradeço ao desembargador Romulo Salles de Sá o convite para prefaciar seu livro)

10 de novembro de 2013

Pronunciamento na abertura do XIII Congresso Nacional das Justiças Militares



Depois de meses de muito trabalho, é com muita satisfação que vemos aqui hoje instalado o XIII Congresso Nacional das Justiças Militares, evento organizado pela Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais – AMAJME, por seu incansável presidente, Getúlio Correa, juiz de direito da Justiça Militar do estado de Santa Catarina. A par de ser o mais antigo ramo de jurisdição especializada no Brasil, instalada que foi entre nós em 1808, pelo príncipe regente D. João, a Justiça Militar continua a ser, talvez, o ramo mais desconhecido da jurisdição, e não por outro motivo estamos novamente numa quadra em que nos é exigido que demonstremos a necessidade de nossa atuação.

Que a Justiça Militar existe nos países mais desenvolvidos do mundo é fato incontestável, embora desconhecido pelo público; que o modelo brasileiro de Justiça Militar é único, da mesma forma pode-se dizer que não se sabe desse fato fora do círculo de operadores que se dedicam a esse ramo do Direito. Esse o motivo de a Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais organizar, periodicamente tais eventos, em diversos pontos do país: a necessidade de atualização e de intercâmbio de experiências entre profissionais que têm poucos a quem recorrer para troca de ideias, no dia a dia de sua atuação profissional.

Para nós, da Justiça Militar estadual do Espírito Santo, a realização de um evento deste porte neste ano de 2013 é carregada de significados, porque 2013 marca os trinta anos do ingresso da mulher na Polícia Militar deste estado, e também os trinta anos de instalação, na Comarca da Capital, da Vara Especializada da Auditoria de Justiça Militar, em 16 de novembro de 1983. É que, instalada a Justiça Militar no Espírito Santo em 1947, a competência para conhecer de delitos praticados pelos integrantes da Força Pública estadual foi cometida à 4.ª Vara Criminal da Capital, de onde foi sendo transferida ao longo do tempo, por conveniência da Organização Judiciária do nosso estado.

Para mim, particularmente, tem também um significado especial receber aqui em Vitória este congresso, porque neste ano de 2013 faz dez anos que cheguei, por remoção, à Vara da Auditoria de Justiça Militar – onde, não tenho nenhum problema em dizer, tencionava permanecer somente até que surgisse a oportunidade de me remover para uma Vara Cível, de onde tinha vindo.

A especialidade da Justiça Militar, os desafios para gerir uma unidade judiciária que apresenta demandas tão específicas e muitas vezes tão diversas daquelas outras com que nos deparamos na Justiça Comum, a celeridade na instrução dos feitos, o acatamento à autoridade do órgão judicante, foram fatores que me animaram a ir permanecendo na titularidade da Auditoria de Justiça Militar, fato este de que, hoje posso dizer, não me arrependo. Mesmo que não tenham sido poucos os problemas nestes dez anos, como sabemos todos nós que militamos neste ramo do direito: as incertezas advindas das alterações legislativas, a pouca simpatia de determinados setores da sociedade, o já mencionado desconhecimento das nossas atividades pelo público em geral e outros fatores que não vem ao caso mencionar.

E não vem ao caso mencionar porque esta é uma ocasião de júbilo. Júbilo pelo que vimos conseguindo realizar até aqui, e pelo fato de termos sempre encontrado apoio, na medida do possível, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, dos colegas juízes de direito, das Corporações Militares, do Ministério Público, das associações militares e dos advogados que militam no dia-a-dia da Auditoria de Justiça Militar do Espírito Santo. Dos dedicados serventuários, que se valem da sua vivência profissional para se desincumbir de suas funções cartorárias, sempre com a eficiência que lhes exige o seu estatuto de servidores públicos. Das Corregedorias das Corporações. Daqueles, enfim, que trabalham diariamente para garantir à sociedade que eventuais desvios de conduta dos que lhe prestam o serviço essencial de manter a ordem e a incolumidade pública serão investigados e que os fatos virão a ser devidamente apreciados pelo Poder Judiciário, num setor da jurisdição capacitado para faze-lo, por sua especialização.

Sabemos que paga o estado do Espírito Santo o preço por ser pouco considerado, pelo seu pouco território e a sua pouca população. No entanto, desde Mem de Sá a D. Pedro II, é fato que os estadistas cuidaram de manter incólume esta porção do Brasil. O estado do Espírito Santo, que hoje recebe este Congresso, tem grande tradição em matéria militar: desde os repetidos rechaços aos ataques de piratas estrangeiros, ingleses e franceses, e também aos invasores holandeses, no período colonial, os esforços de guerra por ocasião do conflito no Paraguai e da Segunda Guerra Mundial, até às desavenças internas, na campanha de Canudos, na Revolução de 30 e outros movimentos históricos, se conta a presença de militares capixabas, da Força Pública e das tropas de linha; Vitória, ao longo do século XVIII, foi uma praça fortemente fortificada, para impedir se alcançasse o interior do território, notadamente as minas descobertas no sertão.

Penso que seja um pouco essa carga histórica a determinar o grande interesse popular por esses assuntos, e assim é que questões envolvendo a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar se tornam manchete de jornais com muita regularidade por aqui. Esse estado de coisas também deve contribuir para que redobremos nossos esforços, nossos cuidados, deve fazer com que aumente ainda mais a responsabilidade de cada um de nós no exercício da sua função.
   
Ao receber esta noite este Congresso, ao dar-lhes a todos as boas vindas, não poderíamos deixar de agradecer aos que tornaram possível sua realização: inicialmente à minha assessora Luciene Gomes de Sá e ao Tenente Coronel PM Douglas Caus, incansáveis desde que foi confirmada pela AMAJME a realização do evento; à presidência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, que colocou os setores do órgão à disposição da organização; aos comandos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, que puseram sua estrutura de pessoal e serviços a nosso dispor; ao Clube dos Oficias e à Aspomires, sempre prontos a nos auxiliar; à Associação dos Magistrados Brasileiros e à do Espírito Santo, à Associação dos Magistrados da Justiça Militar da União, à do Ministério Público Militar da União, pelo apoio institucional; aos nossos patrocinadores, sem cujo concurso este evento não seria possível; a eles, patrocinadores, um agradecimento especial da organização.

Aos que vem de fora, a quem recebemos nesta noite com especial carinho, desejamos uma boa estadia entre nós. Aproveitem o evento e aproveitem para se inteirar das nossas belezas naturais e da hospitalidade do povo capixaba, na esteira, aliás, de dois capixabas ilustres e em evidência neste ano de 2013: o cronista Rubem Braga, no seu centenário de nascimento, e o cantor e compositor Roberto Carlos, envolvido na polêmica das biografias não autorizadas. O Espírito Santo tem muito a mostrar. Desejamos que os senhores possam retornar com mais calma para nos fazer uma visita.

A todos os participantes, que estes dias de congresso sejam proveitosos, e que possamos retirar algo de bom do convívio e algo de útil dos trabalhos. A organização está à disposição de todos. 

Bom proveito.

(4/11/2013, no Itamaraty Hall)