31 de janeiro de 2011

JURISTAS LITERATOS ACADÊMICOS DO ESPÍRITO SANTO


É fato que nas Academias de Letras reúnem-se pessoas que efetivamente demonstraram seu amor ao conhecimento e à cultura. E que este amor deve ser demonstrado, sobretudo, pela ação - ação esta que via de regra se deve traduzir em produção literária. Obviamente que não basta isto, ou as Academias de Letras não dariam conta de abrigar sob seus tetos todos quantos se propõem a “fazer literatura”. Mas de alguma maneira o desejo de fazer parte de algo que para sempre vai existir (porque o conhecimento e a cultura - no mínimo no sentido antropológico dos termos - é inerente ao desenvolvimento humano), o respeito por esta tradição e pelos que a mantiveram viva até aqui são alguns outros requisitos que reúnem na Academia Espírito-santense de Letras quatro dezenas de apreciadores e produtores de letras.

I – Letrados e literatos:

Estes termos – literatura, letras – têm mais de um significado específico dentro dessa idéia de cultura produzida, de cultura como produto do labor intelectual de alguém. Letras tem também o sentido de saber, de conhecimento que se adquire através do estudo. Literatura tem o significado corrente de um conjunto de obras ficcionais de reconhecido valor estético, mas também o de conjunto de obras científicas, filosóficas etc, sobre determinado assunto, matéria ou questão. Assim, um homem letrado pode produzir literatura ficcional esteticamente relevante e um outro pode enriquecer a literatura sobre determinado tema, ou determinada área do conhecimento. Ambos serão homens de letras.

Na pejorativamente chamada “República dos Bacharéis” as letras humanísticas vinham, sobretudo, do estudo do Direito, e assim os bacharéis em Direito (que em sua maioria ocupavam os cargos burocráticos na Administração Pública) eram os legítimos descendentes dos “letrados” dos séculos anteriores. Letrados, no Reino de Portugal e suas colônias, eram inicialmente os versados nas letras jurídicas, que se adquiriam nos estudos de Coimbra. Aliás, foi a partir daí que esta expressão passou a ter o sentido de pessoa que detém erudição, reflexo daquela formação humanística dispensada aos bacharéis conimbricenses.

Desse rápido escorço semântico não é demais concluir que de alguma forma o estudo das disciplinas jurídicas e a reputação adquirida pelos estudiosos dessas disciplinas acabou também derivando no significado de letrado a todo aquele detentor de erudição, isto é, o homem de letras. E que por isto mesmo esses adjetivos os devem hoje os beletristas, em alguma medida, aos juristas.

Para serem admitidos na Academia, estes últimos podem ou não cultivar a ficção, tanto que o Estatuto da Academia Brasileira de Letras admite a candidatura aos seus quadros dos “brasileiros que tenham, em qualquer dos gêneros de literatura, publicado obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livro de valor literário” (art. 2.°). Se se toma “literatura” na acepção corrente, que parece ser a intenção do dispositivo, falamos dos que cultivam os gêneros literários das belas-letras, os romancistas, os contistas, os cronistas, os poetas. Mas fora destes gêneros, livro de valor literário está-se referindo àquele que acrescenta algo ao estado da arte de alguma disciplina, matéria ou questão, na segunda acepção do termo “literatura” acima. Se uns e outros podem ser admitidos na Academia Brasileira de Letras, uns e outros, sem distinção, são homens de letras. Letrados. Literatos. O Estatuto da Academia Brasileira devolve aos últimos, seus originais detentores, o adjetivo que parece terem perdido ao longo dos séculos.

Por ocasião da fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, o bacharelato em Direito era uma das opções de formação humanística das elites contemporâneas, ao lado da medicina, das letras e também da politécnica (1). Profissionais liberais e servidores públicos, em sua maioria, vinham dos ensinos superiores instituídos durante o Império (que como se sabe, cuidou mais dos segmentos secundário e superior que do ensino fundamental propriamente dito). Assim, entre os fundadores da Academia nacional, vários deles eram bacharéis em Direito, e em sua maioria atuantes na imprensa da Capital da República - à época, também como se sabe, bastante segmentada nos mais diversos matizes políticos e ideológicos.


II – Os tempos:


À época da fundação da Academia nacional o país prosseguia aceleradamente na tarefa da mudança de seu perfil sócio-econômico: a nação eminentemente agrária do período Imperial continuava a cuidar da instalação de um parque industrial que tivera sua pedra fundamental lançada quase cinqüenta anos antes, pelo Visconde de Mauá. A abolição da escravatura veio desviar os investimentos financeiros do comércio escravocrata para aquele na atividade produtiva, ao mesmo tempo em que criava, ao menos na teoria, um mercado potencial para consumo de bens assim produzidos. O setor terciário crescia com a urbanização e a burocratização da administração pública, ambas condicionantes resultando do aumento da área geográfica de atuação do Estado organizado.

Começava, nas maiores cidades do país, uma febre de urbanização que visava a substituir o traçado da cidade antiga, de feições coloniais, por espaços amplos e planejados à moda da matriz francesa. Esta tendência se verificou então um pouco por toda parte, valendo a pena citar como exemplos duas cidades tão geograficamente distantes: Manaus, sob a administração do engenheiro militar Eduardo Ribeiro (1892-1896), tomava as novas feições da metrópole da “belle epoque” amazônica, que o seria até os anos 20; o Rio de Janeiro, sob a administração do Prefeito Pereira Passos (1902-1906), teve demolido o morro do Castelo e destruídas as antigas ruas coloniais para que fosse rasgada a Avenida Rio Branco, monumento maior da urbanização moderna da Capital da República.

Da mesma forma Vitória, sob a administração de Jerônimo Monteiro (1908-1912) começava a sofrer a intervenção urbana que fora pensada inicialmente na administração de Moniz Freire (1892-1896), num breve momento de especial pujança no comércio do café, e que seria aperfeiçoada, anos depois, na gestão de Florentino Avidos (1924-1928). Ruas e avenidas cortadas, casarios demolidos, a cidade vinha assim adquirindo novas feições, mais próximas de seu aspecto atual.

Como no resto do país, a Vitória do início do século, animada por uma burguesia comercial urbana que ansiava, como em toda parte, por espaços de lazer e por veículos de divulgação cultural que fizessem frente às suas necessidades de expressão e auto-afirmação, conhecia período de verdadeira efervescência: urbanização, saneamento, execução mediante prévio planejamento. Os limites físicos da antiga urbe foram alargados para os lados da Praia Comprida e o sotaque estrangeiro das levas de imigrantes, trabalhadores e empreendedores, deixavam muito longe no tempo a lembrança do acanhado povoado de Duarte de Lemos.

A imprensa existia aqui desde meados do século XIX, datando o jornal O Correio da Victória de 1849. Se pelos tempos de que nos ocupamos a imprensa local não tinha obviamente a pujança daquela da Capital da República, no entanto da mesma forma servia como veículo de expressão de letrados e beletristas, que se tornavam conhecidos do público por sua militância nos periódicos da Capital. Uma classe intelectualizada, integrada por profissionais liberais e funcionários públicos, reunia-se aqui nos cafés e, da mesma forma que na Capital da República, organizava tertúlias em que se versavam não só assuntos literários como também políticos. Esta classe, que em toda parte era à época formada por advogados, médicos, engenheiros, aqui a integravam os filhos de famílias abastadas e que tinham condições de realizar estudos fora da Província.

De todas as formações ditas de humanidades, a jurídica era a que possibilitava na prática maior campo de ação ao se visar geralmente à militância política ou jornalística, ou ambas. E quantitativamente reunia, aqui como na Capital da República, grande parte dos que se poderia chamar “letrados”, no sentido utilizado no início do texto. Esses “letrados”, homens de letras, produziam e veiculavam sua produção, a maior parte na imprensa diária. Se no Rio de Janeiro esta era apenas uma das facetas visíveis de um desde sempre efervescente ambiente cultural, Vitória, graças principalmente a esta atuação da imprensa ia tendo, também, o que sem favor algum se pode considerar um ambiente cultural movimentado.

III – A fundação das Academias:

Neste panorama, a Revista Brasileira - que em sua terceira fase de vida era dirigida pelo crítico José Veríssimo - dava no Rio de Janeiro dos anos 1890 coesão a um grupo de intelectuais que nela publicavam regularmente. Ante o êxito alcançado pelo periódico, Lúcio de Mendonça teve a iniciativa da fundação de uma agremiação nos moldes da Academia Francesa, mas de caráter particular, já que o Estado se escusara, tempos antes, de bancar a empreitada que lhe fora proposta.

Feitas as reuniões preparatórias, instalada a Casa, contam-se dentre os quarenta fundadores nada menos do que vinte bacharéis em Direito, contando-se, ainda, uns poucos que não chegaram a concluir o curso. Mas todos, sem exceção, militavam na imprensa, regularmente ou não, como jornalistas ou colaboradores eventuais, demonstrando seu devotamento às letras pela produção literária.

Ora, a congênere nacional, a mais antiga delas, foi então fundada por um Ministro do Supremo Tribunal Federal (Lúcio de Mendonça, que chegou à Corte em 1895), reunindo em seus quadros nada menos que a metade de bacharéis em Direito, na sua maioria militantes. Ou seja, na sua maioria juristas, no sentido lato, no sentido de praticarem a ciência – ou a arte – do Direito.

Curiosamente, dentre estes fundadores, três tiveram sua vida em algum momento ligada ao Espírito Santo, por coincidência todos os três acadêmicos juristas: Araripe Jr., filho do Conselheiro Tristão Alencar de Araripe, acompanhou o pai que nos meados do século XIX foi Chefe de Polícia em Vitória e chegou posteriormente ao Supremo Tribunal Federal; Herculano Marcos Inglês de Sousa, autor do romance naturalista O Missionário, presidiu a Província do Espírito Santo no ano de 1882, chegando a implantar uma reforma no ensino local; e Graça Aranha, que por pouco tempo ocupou uma cadeira na congênere nacional, tendo logo após rompido com a Academia, foi Juiz Municipal em Cachoeiro de Santa Leopoldina, em cuja lida diária, é de conhecimento geral, recolheu a idéia para seu famoso romance Canaã.

Aquela efervescência que acabou por levar à fundação da Academia Brasileira se verificava, guardadas as devidas proporções, na Vitória do final dos anos 10 e início dos anos 20 do século passado, e sem embargo se estenderia aos anos seguintes com a fundação da Academia Capixaba de Novos, da Arcádia Espirito Santense, da Academia Espírito Santense Feminina de Letras. Àquela altura, já fundado o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, em 1916, para levantamento e guarda das tradições locais - que o fora, além de por um farmacêutico militar que comandou a Força Pública Estadual (Archimimo Martins de Matos), por um engenheiro, Inspetor de Obras (Antônio Francisco de Ataíde), também por um jovem jurista de grande talento que anos mais tarde presidiria a Corte de Justiça Estadual (Carlos Xavier Paes Barreto) - a Academia Espírito Santense de Letras era instalada em setembro de 1921. Mas ainda não nos moldes da congênere nacional, porque só dando assento, inicialmente, a vinte fundadores. Dentre estes, dez tinham formação jurídica, tornando-se, pela investidura na Casa, juristas acadêmicos: Afonso Cláudio de Freitas Rosa (Cadeira 01); Afonso Correia Lyrio (Cadeira 02); Alarico de Freitas (Cadeira 03); Aristeu Borges de Aguiar (Cadeira 07); Aurino Quintais (Cadeira 09); Cassiano Cardoso Castelo (Cadeira 11); Elpídio Pimentel (Cadeira 12); Antônio Ferreira Coelho (Cadeira 13), José de Barros Wanderley (Cadeira 14); Luiz Adolpho Thiers Veloso (Cadeira 16); Manoel Lopes Pimenta (Cadeira 17) e Jair Tovar (Cadeira 20).

A fundação da Academia Espírito Santense de Letras por um jornalista e escritor, Sezefredo Garcia de Rezende, em companhia de um parlamentar e advogado, Alarico de Freitas, parecia augurar a longa tradição de composição da Casa por juristas e bacharéis em Direito - não fosse a Faculdade de Direito, juntamente com a Faculdade de Farmácia e Odontologia, os mais antigos estabelecimentos de ensino superior do Estado, ambas fundadas em 1930. Dos 122 acadêmicas e acadêmicos já investidos na Casa, algo da ordem de cinqüenta por cento são de formação jurídica. Ora, esta longa tradição legitima a presença entre nós atualmente de 14 juristas acadêmicos, sendo oito egressos das fileiras do Poder Judiciário deste Estado: os Desembargadores Chrystalino de Abreu Castro (Cadeira 14), Rômulo Salles de Sá (Cadeira 35), Antônio José Miguel Feu Rosa (Cadeira 32) e Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça (Cadeira 28) e os Juízes de Direito João Baptista Herkenhoff (Cadeira 8), Waldir Vitral (Cadeira 7), Magda Regina Lugon (Cadeira 38) e Getúlio Marcos Pereira Neves (Cadeira 33).


IV – Personalidades e literatos:

Nos primórdios da Academia Brasileira Joaquim Nabuco sugeria de Londres a Machado de Assis o ingresso na Casa de figuras de expressão na vida social e política da nação, dando o tom para que a Academia deixasse de ser uma reunião de declamadores (nas palavras de seus detratores) para se tornar num órgão de prestígio e influência. Óbvio que não sem uma grande carga de críticas de todos os lados por este motivo, até mesmo porque, se uma associação de intelectuais tem grande ascendência sobre a opinião pública, uma associação de intelectuais influentes haveria de ter uma ascendência ainda maior.

Mas sem embargo não se pode debitar simplesmente ao prestígio que lhes dava o seu exercício na magistratura o ingresso na Academia Brasileira de Letras dos magistrados Raimundo Correia, o “poeta das pombas” (como, aliás, não gostava de ser chamado); do grande crítico literário Araripe Júnior; do grandíssimo crítico, ensaísta, folclorista, historiador da literatura, Sílvio Romero; do poeta Franklin Dória, o Barão de Loreto; de Rodrigo Octávio, que também chegou ao Supremo Tribunal Federal; do romancista e, por que não dizer, agitador cultural Graça Aranha, que rompeu publicamente com a Academia para se juntar às hostes modernistas. Nem ao prestígio que lhes dava sua função de Presidentes de Província o romancista, memorialista, sociólogo, historiador, Visconde de Taunay; do já citado Franklin Dória, que além de presidir as províncias do Piauí, Maranhão e Pernambuco foi Ministro da Guerra; do romancista e contista Inglês de Sousa, que entre outras presidiu a Província do Espírito Santo em 1882, como já referido.

Da mesma forma não foi somente o prestígio de suas relevantes funções públicas e nas lides jurídicas o que trouxe à Academia Espírito-santense de Letras as pessoas de Afonso Cláudio de Freitas Rosa, Carlos Xavier Paes Barreto, Augusto Emílio Estellita Lins, José Paulino Alves Junior, Eurípides Queiroz do Valle, Ernesto da Silva Guimarães, Kosciuszko Barbosa Leão, Eugênio Lindenberg Sette, Miguel Depes Tallon, Renato José Costa Pacheco, juristas literatos. Nem as figuras de Alarico de Freitas, Aurino Quintais, Luiz Adolpho Thiers Velloso, Cassiano Cardoso Castelo, José de Barros Wanderley, Beresford Martins Moreira, Manoel Xavier Paes Barreto Filho, José Vieira Coelho, que deixaram obras de cunho científico, algumas de inegável valor na sua área de atuação profissional específica.

Uns e outros homens de letras, ocupar-nos-emos por mais um pouco dos primeiros, os que consideramos juristas literatos, os mesmos que chamamos acima letrados, por seu conhecimento literário, que cuidaram de externar através da sua preocupação de investigação, análise, criação, fora de sua área de ocupação ordinária. Deixaram estes juristas literatos obras de caráter histórico, sociológico, antropológico e também literário, propriamente, nos diversos gêneros de literatura: poesia, romance, contos e crônicas, que merecem agora registro.

V – Juristas e literatos acadêmicos:

1) O Desembargador Afonso Cláudio de Freitas Rosa (Cadeira 01) - nasceu em Santa Leopoldina, em 1859, falecendo no Rio de Janeiro, em 1934. O primeiro no Espírito Santo a publicar em manifesto sua profissão de fé republicana, em 1883. Foi o primeiro Presidente republicano do Estado. Com a reorganização do Tribunal de Justiça, em dezembro de 1891, foi nomeado desembargador e Presidente do Tribunal, tendo-se aposentado nessa função em 1920. Transferindo-se para o Rio de Janeiro, dirigiu a Faculdade de Direito do Estado do Rio, onde lecionou na cátedra de Direito Romano até seu falecimento, em 1934. Assim, foi o primeiro Presidente Republicano do ES, o primeiro Presidente após a reformulação do TJ do Espírito Santo e o primeiro ocupante da Cadeira n. 01 da Academia Espírito Santense de Letras.

Foi grande historiador literário, e sua obra História da Literatura Espírito Santense, só editada em 1912, ainda hoje é fonte de referência para o período que estudou.

Foi também o primeiro pesquisador do folclore capixaba, tendo publicado Trovas e Cantares Capixabas; deixou obra sociológica, Compêndio de Sociologia e Crítica, e de caráter histórico: Insurreição do Queimado – Episódio da História da Província do Espírito Santo, de 1883 e História da Propaganda Republicana no Estado do Espírito Santo, de 1922, só publicada integralmente em 2002. Na área jurídica deixou um Direito Romano, em 02 vols, Consultas e Pareceres e outros. Afonso Cláudio foi um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e é considerado o maior intelectual capixaba do século XIX.


2) O Desembargador Carlos Xavier Paes Barreto (Cadeira 01) - nasceu no Recife, em 1881, faleceu em 1969. Foi um entusiasta das coisas do Espírito Santo. Começou a vida pública como Promotor de Justiça em Pernambuco, e transferindo-se para o Espírito Santo sua primeira Comarca foi a de Afonso Cláudio. Ao ingressar na magistratura, sua primeira Comarca foi Afonso Cláudio e nesta Casa foi o segundo ocupante da Cadeira n. 01, sucedendo a Afonso Cláudio! Foi a Desembargador em 1926, tendo presidido o Tribunal de Justiça em 1936.

Ao propor a fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo em 1916 tinha em mente o resgate das tradições locais como forma de desmarcar uma identidade capixaba que vinha sendo ameaçada de submersão ante a influência cultural, política e mesmo militar dos estados vizinhos. Seus estudos sobre as questões de limites do Espírito Santo, notadamente com Minas Gerais, influenciaram no deslinde jurídico da questão: Questões de Limites Minas X Espírito Santo, 02 vols., 1915/1917; Questões de Limites do Espírito Santo, 02 vols., de 1918; O território do Espírito Santo, de 1919; Resumo das Questões de Limites, de 1927; Questões de Limites Interestaduais – Contribuição do Espírito Santo à Comissão Especial de Limites, 1931.

Cuidou de aprofundar seu Apontamentos Históricos, Geográficos e Etnográficos do Espírito Santo, apresentado ao VII Congresso Brasileiro de Geografia de 1922 e assim em 1954 publicava, no Rio de Janeiro, A Terra e a Gente do Espírito Santo. Nessa área de interesse das coisas capixabas deixou ainda um Efemérides Espírito Santenses, de 1939. Criminalista, deixou várias obras nas áreas das ciências criminais, destacando-se Indelinquentes, de 1935, e O Crime, o criminoso e a pena, em 02 vols., cuja 2.ª edição é de 1938.

3) O Advogado Augusto Emílio Estellita Lins (Cadeira 13) - nasceu em 1892, no Recife, falecendo em 1982. Bacharelando-se pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro em 1915, em 1916 transferiu-se para o Espírito Santo. Foi Prefeito Municipal de Cachoeiro de Itapemirim e advogado militante, inclusive da Mitra Diocesana de Vitória, tendo sido distinguido pela Santa Sé em 1957 com a comenda da Veneranda Ordem Eqüestre de São Gergório Magno. Com Carlos Xavier Paes Barreto, Arquimimo Martins de Matos e Ciro Vieira da Cunha reorganizou, em 1937, a Academia Espírito-santense de Letras, que presidiu entre 1938/1939 e posteriormente, no ano de 1941.

No campo das letras deixou obra poética de valor apreciável, publicando neste gênero literário o poemeto Lenda da Independência, em 1912; Zorobabel, sonetos, que conheceu duas edições, em 1921 e 1957; e Pranto e Canto de amor filial, também de sonetos, de 1955. Produziu título jurídico de interesse, A paixão coletiva, sobre crime praticado por multidão, publicado em 1923.

Mas nessa área seu feito principal é sem dúvida o alentado estudo da obra de Graça Aranha, Graça Aranha e o Canaã, aliás dedicado à Academia Espírito-santense de Letras e publicado no Rio de Janeiro, em 1968. Ali o Dr. Lins traz referências consideradas por ele indispensáveis ao comentário do Canaã, por meio de trechos escolhidos do próprio Graça Aranha e de outros autores. Sua dedicação ao tema levou-o a publicar o Variações Estéticas do Canaã, que conheceu uma 2.ª edição em 1981, onde pretendeu apresentar, em forma poética, "os motivos e temas versados no romance”, segundo suas póprias palavras.

4) O Procurador José Paulino Alves Junior (Cadeira 32) - nasceu em Porciúncula, no interior do Estado do Rio de Janeiro, em 1895, foi membro do Ministério Público e professor de Português e Literatura da Escola Pedro II, de Vitória.

Em sua obra literária abordou temas históricos caros aos capixabas: a Insurreição de Queimado, em O Caudilho Negro e a Insurreição Pernambucana de 1817, em Idealistas e Rebelados. Ocupou-se, também, de estudos de gramática portuguesa, tendo apresentado a tese de concurso Da preposição e incursionou por temas de reflexão filosófica, no ensaio A Alma existe.

5) O Desembargador Eurípides Queiroz do Valle (Cadeira 27) - nasceu em 1897 em Benevente, hoje Anchieta, faleceu em 1979. Foi um entusiasta das agremiações científico-literárias. Reorganizou o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e a Academia Espírito-santense de Letras, instituições que presidiu respectivamente de 1941 a 1963 e de 1951 a 1957, e que cuidou de historiar em A Casa do Espírito Santo – Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e Academia Espírito Santense de Letras, onde historia a fundação e primeiros tempos da Casa, listando pormenorizadamente as iniciativas da instituição nos idos de 1944, ano da publicação do volume. .

Bacharelou-se pela Faculdade de Direito da Bahia, em 1918, e começou a vida pública como Juiz Municipal, naquele Estado. Retornando ao Espírito Santo em 1921, ingressou no Ministério Público em 1922. Em 1924 foi Chefe de Polícia do Estado, tendo sido no mesmo ano nomeado Juiz de Direito. Promovido a Desembargador em 1950, presidiu o Tribunal de Justiça em 1961. Foi professor de Direito Judiciário Penal da Faculdade de Direito do Espírito Santo.

Sua obra sobre o Espírito Santo compõe-se de “Aspectos do Espírito Santo – História e Literatura”, de 1942 , “O Estado do Espírito Santo e os Espírito Santenses”, de 1971 e “O Espírito Santo – uma síntese”, de 1977, todas de caráter geral. Foi historiador do Poder Judiciário do Espírito Santo, assunto de que se ocupou nas obras “Vida Judiciária Espírito Santense”, de 1951; “Datas e dados da vida judiciária do Espírito Santo”, de 1963 e “Velhas togas Espírito Santenses”, de 1964; da mesma forma ocupou-se do Poder Legislativo, em “Poder Legislativo Espírito Santense”. Deixou diversas obras técnicas na área das ciências criminais, versando o Direito Judiciário Penal e a polícia judiciária e o livro de crônicas “Micrólogos”, de 1969.

6) O Desembargador Ernesto da Silva Guimarães (Cadeira 26) - nasceu em Niterói, Estado do Rio de Janeiro, em 1897, falecendo em 1960. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro em 1923 e vindo para o Espírito Santo ingressou na magistratura vitalícia em 1924. Promovido a Desembargador em 1946, presidiu o Tribunal de Justiça em 1953. Lecionou na cadeira de Direito Civil da Faculdade de Direito do Espírito Santo.

Na área das Letras deixou obra poética também de apreciável valor, nos livros de poemas Meus Versos e meu Violão, Sangue de meu Coração e Um Amor, uma Lembrança e uma Saudade e os sonetos de Violetas de Zabulon. Ocupou-se, ainda, do gênero teatral, publicando, entre 1936 e 1940, três comédias (A moqueca da Belmira; O Voluntário do 3.° BC e A Medalha Milagrosa) e dois dramas (A Chuva de Rosas, em 3 atos e O Sino da Penha).

Sua obra técnico jurídica é especializada em questões menoristas, antecipando, já, tema de grande relevo nos dias de hoje. Versava a questão dos menores, inclusive, perante a ordem jurídica instituída pelo Estado Novo, formas de assistência a eles e sua ressocialização.

7) O Advogado Kosciuszko Barbosa Leão (Cadeira 36) - nasceu em Santa Cruz, no Espírito Santo, em 1889, tendo falecido em 1979. Foi Professor Emérito da Faculdade de Direito do Espírito Santo. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro e foi advogado militante, Chefe de Polícia do Estado e Procurador da Fazenda Nacional.


O patrono da nossa Casa, ocupou-se da poesia com os seguintes títulos publicados: Meditações, 1940; J’TM (je t’aime), que conheceu duas edições, em 1940 e 1977; Travos e Trovas, de 1973; Canoeiros, que também conheceu duas edições, em 1942 e 1977, e Meu Inverno edição póstuma, de 1979. Deixou ainda uma experiência no gênero teatral, a comédia Cinco Noivados, de 1941.

Incursionou com talento pelas cogitações de caráter filosófico, fazendo-o com um cunho mais social no magistral ensaio A Visão da Miséria através da Polícia, de 1933, obra esta que foi apreendida pela Polícia do Estado Novo, e com um cunho mais metafísico, em Alma e Deus, de 1973.


8) O Advogado Eugênio Lindenberg Sette (Cadeira 18) – nasceu em Vitória, em 1918, tendo falecido em 1990. Presidiu a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil e foi Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Foi professor da Cadeira de Direito Comercial da Faculdade de Direito.

Na área das letras foi cronista e poeta, tendo se ocupado, ainda, de tradução de poesia negra norte-americana. Publicou o livro de crônicas Praça Oito, cuja primeira edição é de 1951, tendo sido reeditado recentemente. Participou das coletâneas Sinfonia das ruas de Vitória, publicado em 1943, e Torta Capixaba, em 1956.


9) O Desembargador Homero Mafra (Cadeira n.° 07) – nasceu em Itanhandu, Estado de Minas Gerais, em 1923. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Advogado, trabalhou como jornalista nos Diários Associados. Em 1956 ingressou na carreira da magistratura do Espírito Santo, passando a integrar o Tribunal de Justiça em 1974, tendo-se aposentado em 1983.

Educador, lecionou Português e Inglês no Ginásio de São José do Calçado; Literatura, por concurso, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Colatina e Direito Civil na Universidade Federal do Espírito Santo.

Tem publicados trabalhos doutrinários diversos na área do Direito. Cronista elegante, da sua contribuição na imprensa de São José do Calçado compilou-se e publicou-se, postumamente, Três Assuntos em uma Semana, de 1985, e Flauta em Surdina, de 1996.


10) O Juiz de Direito Renato José Costa Pacheco (Cadeira 33) – nasceu em Vitória, em 1928, tendo falecido em 2004. Poeta, romancista, ensaísta, contista, historiador, sociólogo, folclorista, memorialista. O ponto alto de sua produção poética é sem dúvida Cantos de Fernão Ferreiro e outros poemas heterônimos, publicado originalmente em 1985, e que é responsável por colocar sua obra poética sem dúvida acima de sua produção literária em outros campos.

Publicou os romances A Oferta e o Altar, cuja 3.ª edição saiu em São Paulo em 1983; Fuga de Canaã, de 1981; Reino não conquistado, de 1984; Vilão farto, 1991; Eu vi nascer o Brasil, 1997; O Centauro enlouquecido e o pintor amante, 1998; Pedra Menina, 1999. A coletânea de ensaios históricos Estudos Espírito Santenses, em 1994 e um histórico da Capital do Espírito Santo entre 1930 e 1945, Os Dias Antigos, em 1998.

Foi livre pensador no crítico O Macaco Louco (Novum Moriae Encomium), de 2000; fez sociologia e história da cultura, respectivamente em Ensaios de Sociologia da Literatura, de 2003 e A Cultura Capixaba: uma visão pessoal, publicada postumamente pelo IHGES em 2004, e sociologia geral e jurídica em Introdução ao estudo da Sociologia Geral e Jurídica, de 2006. Sua obra esparsa no campo do Direito e também do folclore é muito numerosa. Além disto publicou vários trabalhos de caráter histórico e etnográfico em parceria com Luis Guilherme Santos Neves e Lea Brígida Rocha de Alvarenga Rosa.


11) O Advogado Miguel Depes Tallon (Cadeira 34) – nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, em 1948, tendo falecido em 1999. Foi Procurador da Universidade Federal do Espírito Santo e Procurador Municipal da Prefeitura de Vitória. Presidiu o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo desde 1996 e faleceu em pleno exercício da presidência.

Na área das letras foi poeta, contista, romancista, historiador. Autor de uma das mais recentes História do Espírito Santo, publicada pelo IHGES em 2000. Suas últimas experiências líricas se deram com os hai-kai no livro As rãs de Basho e Outros Poemas, publicado postumamente em 2000.

Também publicado postumamente em 2000 o ensaio História e Ficção em Renato Pacheco, sua dissertação no mestrado em Letras da Universidade Federal do Espírito Santo, que ficou inacabada. Simpatizante das doutrinas políticas de esquerda, fez levantamento histórico nessa área em Spiritu Sanctis Memoralia Coronelensis, publicado pelo IHGES em 2000, e Ciência Política em Manhosa Disputa: Estado versus cidadania no Brasil, monografia final do curso de Especialização em Políticas Públicas da UFES, também publicado postumamente pelo IHGES em 2003.


Praia da Costa, setembro de 2006


Notas:

[1] Esta afirmação pode soar estranha se se pensar nos dias de hoje, em que a formação profissional privilegia apenas e tão somente aspectos técnicos da profissão. Antes das sucessivas reformas do ensino produzidas de meados para final do século XX, a formação específica do futuro profissional era calçada numa formação humanística baseada, sobretudo, no estudo dos clássicos.


26 de janeiro de 2011

Doralice de Oliveira Neves



Hoje, 26 de janeiro de 2011, faz trinta e um anos do falecimento de minha avó, Doralice de Oliveira Neves. Constato, com alegria, que o site “Morro do Moreno”, administrado por Walter Aguiar Filho, da Casa da Memória de Vila Velha e da nossa Academia de Letras Humberto de Campos, publicou alguns escritos de autoria dela. O que é uma bela divulgação, porque desde aqui de Vila Velha o site http://www.morrodomoreno.com.br/ presta excelente serviço na divulgação das coisas e tradições locais.

A propósito de minha avó, escrevi sobre ela dois textos: um publicado na Revista da Academia Espírito-santense de Letras, edição de 2006, (“Doralice de Oliveira Neves, literata, educadora”); o outro ("As Lendas Capixabas de Doralice de Oliveira Neves"), publicado no meu Estudos de Cultura Espírito-santense, de 2005 - livro este que, aliás, dediquei a ela e que vem a ser a fonte do Walter. Neste último texto, após um estudo que tem intenções de crítica literária, reproduzi alguns de seus escritos que tenho em meu poder. Estes mesmos que agora estão sendo divulgados.

Minha avó, nascida em Cambuci (São Fidélis), no Rio de Janeiro, em 1900. Professora formada, veio mocinha para o Espírito Santo onde, em Santa Leopoldina, na casa de seu irmão Sebastião de Oliveira, coletor federal, conheceu meu avô Getúlio Neves. Casaram-se, tiveram filhos, enviuvou depois de dezoito anos de matrimônio (meu pai tinha então de sete para oito anos de idade), e aqui mesmo veio a falecer, em Vitória, em 26 de janeiro de 1980. Nesse meio tempo uma curta passagem por Belo Horizonte/MG, para onde se mudara o filho mais velho logo após o casamento.

Foi educadora e foi literata. Ajudou a organizar a Academia Feminina Espírito-santense de Letras, que por diversas vezes reuniu-se em sua casa. Quando da reorganização do grêmio, em 1992, foi homenageada com sua indicação para patrona da cadeira n.º 10, hoje ocupada pela Acadêmica Jô Drumond, minha confreira na Academia Espírito-santense de Letras.

Deixou muita coisa escrita, pouco publicou – só textos em jornais locais. Quando tomei contato com alguns de seus escritos, que me vieram ter às mãos, dediquei-lhe o primeiro texto que publiquei na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, no n.º 54, de 2000, chamado “Tentação e Virtude: os costumes da terra nas palavras dos primeiros Jesuítas”. Na dedicatória, à guisa de epígrafe, registrei: “À minha avó Doralice de Oliveira Neves, cujas ‘Lendas Capixabas’, infelizmente inéditas, referem-se também a padres e índias. No ano do centenário de seu nascimento, e dos vinte anos de sua morte”.

Essas lendas e mitos, como disse, teci-lhes um bosquejo de intenção crítico-literária naquele “Lendas Capixabas de Doralice de Oliveira Neves”. Constatei que a autora lançava mão delas como instrumento para instrução de jovens (expediente que usava comigo também); constatei se tratar, essas lendas e mitos, de estilo literário de uso raro por aqui. Referi seu interesse pelo protagonismo feminino e esmiucei o caráter psicológico das suas personagens, sempre vergadas pelo fardo pesado da existência, metamorfoseadas pela paixão, por sucumbir a um amor proibido. É o caso, por exemplo, das passagens referentes à “Primeira Mãe Capixaba”, ao “Urutau”, ao “Frade e a Freira” - esta última de domínio público. Até sobre recursos de estilo de que a autora lança mão para compor suas histórias comento naquele texto:

“A orientação mítica que Doralice imprime a seus textos é externada não só pela citação de entes a que empresta um caráter sobrenatural – Céu, Divina Morada, Mosteiro – que substantiva; Senhora do Céu, Virgem da Terra da Cruz, Gênio Criador, mas também pela atribuição de um caráter absoluto a emoções e sentimentos, tais como o amor e o ciúme que, por isto mesmo, grafa em seus textos com maiúsculas, numa verdadeira alusão a recursos do Simbolismo. Na verdade, tais emoções e sentimentos os faz quase como se não fossem forças psíquicas, atuando de maneira determinística na condução do destino de suas personagens que, nos exemplos estudados, estão sempre vergadas sob o fardo pesado da existência. Quase como o titanismo atemporal de um Miguel Torga, que não deixa de lançar mão de um moralismo medievalesco na construção narrativa do destino de suas personagens.”

Mas todos esses comentários podem ser consultados, de forma aprofundada, nos textos a que me referi acima, que aqui não é o que pretendo desenvolver. Um dos fatos de que me orgulho com relação a ela é que minha avó era uma educadora nata, coisa que vai ficando rara hoje em dia, e toda sua vida foi devotada a essa tarefa. À educação como ocupação, à criação e ao encaminhamento dos filhos como missão - empreendimento este que, pela morte de meu avô, coube a ela sozinha.

Gostava muito quando vínhamos de Colatina, onde eu morava na época, à sua casa em Vitória. A de que me lembro era na Ilha de Santa Maria. Era uma casa de vários cômodos, com direito a mangueira no quintal, e que dava fundos para um modesto curso d’água. Ali eu tentava pescar escondido, no que era sempre impedido pelos mais velhos, ao argumento – corretíssimo - de poluição das águas (a CESAN ainda não cuidava fazer de Vitória, à custa do trânsito, a primeira capital com 100% de esgoto tratado). Gostava também de ir desde a casa dela, margeando o mesmo curso d’água, ladeando moitas de mato, até a casa de meu tio Sylvio, atrás do Colégio Salesiano. Como as coisas eram longe então...

Na casa de minha avó havia livros, que eu, criança, gostava de folhear. E quando ela estava por perto, sempre com explicações a respeito de tudo, de um jeito que tornava atraentes os fatos. Lembram-me, também, as conversas que tínhamos nas tardes então calmas na varanda de nossa casa em Guarapari. Ali trocávamos idéias sobre história, sobre mitologia, sobre literatura infanto-juvenil, que era o que eu conhecia na época. Acho que foi assim que travei o primeiro contato com o padre Anchieta, com o frei Pedro Palácios, com as festas religiosas e populares daqui, com os piratas na baía de Vitória, com os tesouros do subterrâneo do colégio dos jesuítas, até com alguns rudimentos do dialeto pomerano, de que ela se lembrava ainda, de suas aulas nas escolas do interior.

Crianças, tínhamos queixas dela sim, e ela de nós. De fato não gostávamos que ela comesse só as puãs dos caranguejos, deixando as pernas para nós - o que meu pai, de forma irritante, relevava; não gostávamos que ela, jogando buraco, escondesse cartas debaixo da almofada da cadeira para dizer que tinha batido. Eu até que deixava para lá, mas minha irmã, que era mais nova, roubava dela também...

Minha avó é hoje em dia nome de rua, no Bairro Maria Ortiz, em Vitória. A cidade em que viveu quase toda a vida e em que veio a falecer, faz trinta e um anos, a homenageou há tempos, dando seu nome a um logradouro público. Registro aqui o CEP da rua, para quem eventualmente querendo passar por lá possa se localizar: 29070-690.

Deixo, também, os links para o site Morro do Moreno, que foi o pretexto inicial para todas essas lembranças. Com um agradecimento ao amigo Walter Aguiar Filho e a certeza de que um pouco de beleza, de leveza e de encantamento, como minha avó sabia passar com as histórias que contava, tudo isso nunca é demais.




25 de janeiro de 2011

50 anos de presença de Renato Pacheco no IHGES


1. O IHGES e Renato Pacheco:

Fundado em 1916, o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo conheceu em seu funcionamento períodos de maior e menor atividade, ao sabor das injunções políticas locais e externas que inclusive lhe influenciavam as condições financeiras. Por volta dos anos de 1950, quando das presidências de Eurípides Queiroz do Valle e Ceciliano Abel de Almeida, ocorreu verdadeira reorganização de seu funcionamento, com o retorno à sede da Avenida República, em 24 de dezembro de 1951, e um perceptível incremento de suas atividades. E no bojo dessa tarefa de reorganização (que passava, também, pelo amealhar quadros que pudessem ser úteis ao Instituto por sua atividade em prol da instituição), os eminentes presidentes foram os responsáveis pelo ingresso de Renato Pacheco na Casa do Espírito Santo, juntamente com Guilherme Santos Neves.

Admitido como sócio efetivo no dia 11 de abril de 1953, Renato Pacheco esteve presente a essa reorganização, que passou inicialmente pela edição de um novo Estatuto, aprovado em Assembléia Geral em 12 de maio de 1953. E estando presente em mais da metade da história do IHGES, participou ativamente, como era de seu feitio, das diversas fases da construção da identidade da Casa e da administração de seus destinos. Desde 1957, quando retornou de seu estágio na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, ocupou ininterruptamente na Diretoria da instituição os cargos de Secretário Adjunto, Secretário Geral e Vice-Presidente, e exerceu a Presidência no período compreendido entre os anos de 1991e1993, sucedendo na função a Alberto Stange Júnior.

2.Notícia de sua atuação administrativa:

Na sua presidência fez aprovar um novo Estatuto, o de 1992, que modernizou a organização administrativa do Instituto e permitiu um maior incremento das atividades, já paulatinamente retomadas após o longo período de construção da sede atual e reinstalação do Instituto onde até hoje se encontra. Este Estatuto veio, por exemplo, desburocratizar o funcionamento da instituição, remetendo várias matérias não necessariamente inerentes à organização administrativa, mas que da mesma forma mereciam regulamentação, para o Regimento Interno (que, a bem da verdade, só seria aprovado quase nove anos depois).

No seu primeiro ano à frente dos destinos do IHGES foi firmado o Convênio com a Prefeitura Municipal de Vitória, autorizado pela Lei Municipal n.° 3.748, de 26/09/91, que exigiu inicialmente, como contrapartida, a elaboração de um estudo tendente a demonstrar as razões do Município de Vitória sobre a administração da Ilha de Trindade, matéria constante da Constituição Estadual de 1989 e contestada pela Marinha do Brasil junto ao Supremo Tribunal Federal. Renato Pacheco integrou a Comissão formada para desempenhar a tarefa, juntamente com Willis de Faria e Miguel Depes Tallon, e o documento final produzido foi publicado no número quadragésimo primeiro da Revista do IHGES (1).

A assinatura do primeiro Convênio com a Prefeitura Municipal deveu-se em grande parte, sem dúvida, ao prestígio pessoal de Renato Pacheco como profissional do Direito e como intelectual, e do prestígio que sua simples presença à frente dos destinos da Casa emprestava a ela. E se as cláusulas desse ajuste exigiam outras contrapartidas, no seu cumprimento o IHGES organizou naquele período programação intensa por cidades do interior do Estado e também na sua sede, notadamente as Jornadas de Navegação, que conheceram várias edições até o ano de 2000. Neste período foram instalados os estratégicos (por sua localização) núcleos regionais de Linhares e de Cachoeiro de Itapemirim, para interiorização das atividades-fim da Casa, e organizados os acervos do Centro de Memória e da Casa Elmo Elton, para coleção e preservação de quanto pudesse interessar à perpetuação das tradições da cidade sempre retratada por aquele historiador.

Nos termos do art. 5.° do Estatuto de 1992, Renato Pacheco foi guindado em Assembléia Geral à categoria estatutária de Grande Conselheiro, alcançando o status de Presidente de Honra, que lhe conferia aquela categoria, já por ocasião da composição da Diretoria seguinte à sua gestão.

3. O homem de múltiplos interesses – um retrato de sua produção na Casa:

A partir de seu ingresso no IHGES Renato Pacheco cuidou de - nas suas próprias palavras, “modestamente” - servir ao Instituto, “com o máximo de minhas pequeninas forças” (2). E esse servir entendia não só como a participação nos assuntos de administração da Casa, mas também como a necessidade de produção científico-literária voltada aos interesses a que se consagra a instituição. Dessa tarefa desempenhou-se na medida de suas forças, a acreditar em suas palavras, e sua produção intelectual como associado cobriu várias áreas onde se dá a intervenção do Instituto.

3.1. Na Revista do IHGES:

Desde a primeira Revista publicada após sua posse na Casa, em 1957 (3), produziu e publicou regularmente, sendo o autor que mais vezes figurou nas páginas do periódico, com trinta e cinco inserções, entre artigos, estudos, poemas, notas biográficas e relatórios de atividades (4). Pode-se dizer que o assunto que mais ocupou seus esforços foi, num sentido lato, o Direito: embora não tenha sido a área que rendeu uma maior quantidade de intervenções, foi certamente a que demandou maior labor no que diz respeito à investigação dos fatos que serviram de base para sua análise. Quantitativamente o assunto que mais o ocupou foram as Biografias de personalidades da vida cultural – e não só – espirito-santense, mas da mesma forma se ocupava também em outros escritos da descrição de fatos históricos que resgatava até mesmo como forma de atrair a atenção de outros pesquisadores sobre eles.

Em ligeira análise de sua produção mais significativa nas páginas da Revista do IHGES, nos domínios do Direito, em sentido lato, Pacheco da mesma forma produzia estudos voltados à preocupação com o resgate histórico de determinadas passagens da justiça espirito-santense. Com este propósito deu notícia de dois processos históricos, como o em que foi ré Guilhermina Lübke, e que serviu de tema a Graça Aranha na elaboração de seu “Canaã” (5), e também historiou um erro judiciário acontecido na cidade de Anchieta no início do século XX, em “Um Erro Judiciário” (6). Aliás, a idéia de erro judiciário repugnava-lhe, conforme constatei em outro texto, tendo mesmo publicado algures um outro estudo a respeito de um outro caso, o do agricultor Pedro Leppaus (7).

Fez Sociologia Jurídica ao levantar dados estatístico-criminológicos da Comarca de São Mateus, cidade de grande importância econômica no período por ele pesquisado, em “Criminalidade Mateense em fins do Século XIX” (8) e moveu-se na fronteira entre aquela disciplina e a Antropologia Jurídica levantando costumes dos colonos de origem germânica da região de Santa Leopoldina em “Atitudes perante a Lei em uma Sub-Cultura Brasileira” (9), que por sua importância estudei mais amiúde em meu “Dois Estudos de Sociologia Jurídica no Espírito Santo e sua Atualidade”(10).

No domínio das Biografias (de que se ocupava como forma de homenagem a amigos e personalidades que julgasse dignos de dar a conhecer através do resgate de suas qualidades e realizações), prestou comovido testemunho de seu apreço a Guilherme Santos Neves, a quem chamava de Mestre Guilherme e que foi responsável por seu ingresso no IHGES e em outros palcos de sua vida, retratando-o em “Guilherme Santos Neves: alto está e alto mora” (11). Prestou também homenagem a acadêmicos falecidos, confrades seus na Academia Espirito-santense de Letras, em “Amigos Acadêmicos do Lado de Lá” (12). Christiano Fraga, Newton Freitas, Serafim Derenzi, Fernando Duarte Rabelo, João Bastos Vieira, Nilo Martins da Cunha e Heribaldo Lopes Balestrero foram alguns outros personagens retratados pela generosidade de sua pena, em diversas ocasiões.

Sua produção na área de Sociologia merece destaque não só pela qualidade em si como também por uma curiosidade digna de registro: o texto “Cachoeiro de Itapemirim: Um Ensaio de Sociologia Urbana” é o mais longo artigo publicado num só número da Revista (13) (14). Mas ainda no campo das Ciências Sociais ofereceu notícia de um dos responsáveis por moldar sua bagagem de conhecimento e sua forma de atuação nessa área, o professor norte-americano Donald Pierson (de quem foi aluno nos tempos da passagem deste pelo Brasil), em “Donald Pierson e a Sociologia no Brasil” (15).

Fez História, mais propriamente no sentido de resgate histórico de fatos, ao dar a conhecimento relatórios de viagens de personalidades ao interior do Espírito Santo, em “Visitando a Província”, viagem de dois Presidentes da Província às localidades de Santa Leopoldina e Santa Isabel (16) e “Os ‘diários’ de D. Pedro”, da viagem do Bispo D. Pedro Maria de Lacerda (17); ao trazer notícia d’ “As Primeiras Eleitoras do Brasil” (18), e de relatório do engenheiro civil W. Milnor Roberts, datado de 1881 e versando sobre investigação para determinar “o melhor porto e o ponto mais indicado para construir estrada de ferro demandando o interior”, em “Um Velho Relatório” (19).

Fez História também, no sentido de análise de fatos, em “Demografia Histórica”, em que apresenta levantamento de dados demográficos da Capitania do Espírito Santo na segunda metade do século XIX (20) e “Vitória: Comércio Importador – 1928/1933” (21), registrando o movimento comercial da praça no período.

O memorialista merece registro pela menção de seus artigos até certo ponto despretensiosos sobre a cidade de Vitória, cujo crescimento e modernização acompanhou em todas as suas fases. Por isto tinha especial prazer em levantar dados curiosos sobre logradouros da cidade, públicos ou nem tanto, respectivamente em “A Ilha que sonha ser Continente”, sobre a ponte Florentino Avidos (22) e “Os Subterrâneos do Colégio dos Jesuítas”, engrossando o caldo de assunto muito versado, nos domínios acadêmicos ou não (23). Mas o memorialista está presente também em “Thomas Dutton Jr., um inglês no Espírito Santo”, sobre o início da história da localidade de Piúma e arredores, vindo seu interesse por essa região ao judicar na Comarca de Iconha, onde foi instalador do Fórum local (24); “Maneco e ‘Vida Capichaba’”, do periódico – e seu mentor – onde inclusive atuou (25), e “Vitória dos 400 aos 450 Anos”, apertado resumo de palestra que em 2001 proferiu na sede do IHGES sobre o movimento cultural na Capital (26), desdobrando este assunto e aprofundando-o num período determinado em “Jones e a Cultura” (27).

Renato Pacheco fez também Teoria Literária, não fosse ele mesmo romancista consagrado como dos mais significativos do Espírito Santo. Teorizou sobre autor cuja influência no seu estilo literário reconheceu por mais de uma vez (28), no texto “Em Faulkner, Romance Histórico ou Psicológico” (29). Fazendo algo não rigorosamente nos domínios da Teoria Literária, antes divulgando obras literárias relacionadas ao Espírito Santo, em “Um Romance Capixaba, Outro nem Tanto”, discorre sobre os romances “Dr. Voronoff”, de Madeira de Freitas, e “Cabocla”, de Ribeiro Couto (30), sendo que este último o viria a ocupar de novo em “Cabocla: um Problema de Geografia Literária” (31).

Dois importantes textos, que se podem enquadrar de maneira ampla nos domínios da Etnologia foram “Notas sobre os Botocudos”, sua produção de estréia nas páginas da Revista, fonte para o estudo da população autóctone do noroeste capixaba (32) e “O Capixaba: Uma Pré-Visão Antropológica”, texto da palestra que pronunciou no IHGES em 95 em que discorre, em resumo, sobre a existência ou não de uma identidade capixaba verdadeiramente delineada, tema que de tempos em tempos volta à baila.

Nas páginas da Revista deixou ainda resenhas bibliográficas (33), que sem embargo publicou com mais regularidade no Boletim Informativo do Instituto, ficando esta seção, a partir da décima edição daquele, exclusivamente a seu cargo, salvo colaborações esparsas de outros resenhadores (34). Foi quem estreou a recém-inaugurada na Revista seção “A Poesia é Necessária”, com o poema “Mestre Filó”, dedicado a seu pai, Filogônio Pacheco (35).

Renato Pacheco foi um entusiasta do Instituto, e como tal, um entusiasta de sua Revista, órgão de divulgação da produção científico-literária dos associados. Nas suas páginas fez publicar regularmente, desde seu ingresso na Casa até o último número que esta editou enquanto vivo, no ano de 2003, sempre matéria relacionada ao Estado do Espírito Santo, na forma preconizada pelos diversos Estatutos e pela tradição octogenária do periódico.

2.2 Outras edições pelo IHGES:

O Convênio com a Prefeitura Municipal de Vitória, pelo aporte de recursos financeiros que representou, permitiu ao IHGES o incremento na política de publicação de obras de autores associados ou não à Casa. Principalmente a partir da presidência de Miguel Depes Tallon, veio a público uma grande quantidade de livros, folhetos e outros materiais, e Renato Pacheco foi um dos autores mais publicados.

Entre outras áreas, sua festejada produção de cunho literário foi contemplada, tanto em verso como em prosa. Em verso a republicação do poema de juventude Bilhete para Cervantes, em 1997, e a publicação de Vinte e Seis Poemas da Montanha, em 1998, complementam o perfil do poeta cujo ápice, na opinião de não poucos críticos de peso de sua obra, vem a ser os Cantos de Fernão Ferreiro, publicados originalmente em 1985 e republicados na coletânea Porto Final, de 1998.

Em prosa foi por meio do IHGES que vieram a público os romances O Centauro Enlouquecido e o Pintor Amante, em 1998, um encontro de seu estilo com o realismo fantástico pela presença na trama do ser mitológico que abandona o protagonista quando a vida deste começa a mudar para pior; e Pedra Menina, recriação de fatos de um lugarejo do interior do Espírito Santo (mas que pode ser qualquer outra cidadezinha do interior do Brasil, nas palavras de apresentação de Miguel Depes Tallon) condenada a ser transplantada para outro sítio pela construção de uma usina hidrelétrica que causará sua inevitável submersão nas águas capazes de lhe trazer o progresso.

Ainda em prosa seu O Macaco Louco (Novum Moriae Encomium), de 2000, ensaio de cunho crítico-filosófico em que Pacheco, à guisa de livre-pensador (não o revelasse logo pelo subtítulo, que faz menção ao escrito mais famoso de Erasmo de Roterdã), discorre sobre “as loucuras de todos nós, os macacos loucos”, versando “nossa condição humana, nossa pobre experiência cultural”. E já antecipando o tom da obra, que, aliás, era o seu, particularmente desmistificador (como, de resto, o próprio Erasmo), advertia desde logo não ter “estofo para descobrir o sentido da vida” nem pretender “divulgar qualquer teoria final” (36). Ente as diversas resenhas publicadas em vários veículos de comunicação, uma apreciação abrangente da obra foi a feita por Aylton Rocha Bermudes, cuja autoridade intelectual, por si só, a recomenda como análise de conteúdo (37). Mas a situação dessa obra no sistema acabado do pensamento humanístico de Renato Pacheco está por, e sem dúvida merece, ser feita.

Entretanto a edição de seus livros pelo IHGES nesta nova fase editorial da Casa iniciava-se, nos idos de 1994, com a publicação de Estudos Espiritossantenses, coletânea de textos já anteriormente publicados em outros veículos (notadamente a Revista de Cultura da Universidade Federal do Espírito Santo), versando sobre assuntos de interesse local.

Esta coletânea, pela importância de que se revestem os estudos ali reunidos, é de ser melhor examinada. Compõe-se de: 1) “Os Primeiros Anos (Conflito nas Colônias Agrícolas Espiritossantenses – 1827-1882), episódio da colonização italiana no Espírito Santo; 2) “Assimilação de Alemães no Espírito Santo- Brasil”, sobre a colonização alemã, para cuja elaboração serviu de base o já referido artigo “Atitudes perante a Lei em um Sub-Cultura Brasileira”; 3) “Graça Aranha no Espírito Santo”, em que historia todo o dia-a-dia do magistrado no exercício de suas funções na Comarca de Santa Leopoldina; 4) “Um Caso não Resolvido de Autoria?”, em que soluciona equívoco ligado à autoria do texto “Memórias para servir à História até o ano de 1817 e breve notícia estatística da Capitania do Espírito Santo, porção integrante do Reino do Brasil. Escritas em 1818 e publicadas em 1840 por um capixaba”, atribuindo-o a Francisco Alberto Rubim; 5) “O Primeiro Partido ‘Operário’ no Espírito Santo”, contribuição para a história dos Partidos Políticos no Estado; 6) “Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, num documento inédito”, divulgando manuscrito de 1881 de autoria do engenheiro Deolindo José Vieira Maciel, catalogado na Biblioteca Nacional; e 7) “Introdução à História do Livro Capixaba”, levantando os esforços pioneiros que se fizeram com o fim de situar o Espírito Santo no mapa editorial brasileiro e que pensou em complementar com o levantamento bibliográfico completo de todos os livros publicados no Estado, o que estava a cargo da Biblioteca Pública Estadual à época.

Renato Pacheco foi um dos idealizadores e o criador do nome da recente série editorial “Memórias da Ilha de Vitória”, pensada com o objetivo de divulgar documentos de interesse para o estudo da história e ciências afins do Município onde o IHGES tem a sua sede, assim como outros assuntos que guardem, de algum modo, relação com a Capital. A terceira edição da série de folhetos trouxe o auto do Padre José de Anchieta, Quando, no Espírito Santo, se recebeu a Relíquia das Onze Mil Virgens, documento que apresentou e comentou em conjunto com Lea Brígida Rocha de Alvarenga Rosa. Aqui também se situa sua derradeira iniciativa no campo da edição pelo IHGES, ao propor ao Conselho Editorial, dias antes de seu falecimento, a publicação do texto Peroás e Caramurus, de autoria do consócio já falecido Jair Etienne Dessaune, e que pelo infausto acontecimento acabou ficando a meu cargo comentar.

3.Fechamento:

Como já referido por diversas vezes, Renato Pacheco esteve presente em mais da metade da história do Instituto, e esta presença foi sempre atuante, tanto na administração da Casa quanto na produção pessoal que pudesse “concorrer para o seu engrandecimento”, na forma do art. 7.° do Estatuto de 1992, editado na sua gestão. Homem de múltiplos interesses que se lhe chamou acima, sua produção, no entanto, adquire uma evidente unidade lógica se examinada à luz do propósito que, desde que começou a produzir cultura, sempre balizou seus esforços. Este propósito, seu projeto pessoal - ele o revelou inúmeras vezes – era o de produzir principalmente sobre o Espírito Santo, “...primeiro, porque sou discípulo de Mestre Guilherme. Segundo, porque estou imbuído do mesmo projeto, que é ‘o Espírito Santo em primeiro lugar’. O Brasil em segundo. O Brasil entra porque o Espírito Santo é Brasil” (38).

No Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo produziu sobre, e para, o Espírito Santo. E assim, pelo casamento feliz do propósito que norteou sua obra com os propósitos da própria instituição a que serviu, em melhor abrigo não poderia ter ido ele dar. E por muito tempo ainda, ao se falar de Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, a associação com Renato Pacheco será inevitável. Da mesma maneira que, felizmente para nós, a associação contrária também o será.

Praia da Costa, outubro de 2004


Notas:


1) Com detalhes em Neves, Getulio Marcos Pereira. Notícia do IHGES. Vitória, IHGES, 2003, pp. 80/81.

2) Discurso de Posse na Presidência do IHGES, em 12/06/91. Publicado na Revista n.° 41, ano 91/92.

3) A de n.° 17, ano 44/57.

4) Conforme constatei em Notícia do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Vitória: IHGES, 2003, pp. 95.

5) “A Justiça contra Guilhermina Lübke”, n.° 28/30, ano 67/69.

6) Publicado no n.° 28/30, ano 67/69.

7) Vide meu "Considerações à Volta do Pensamento Jurídico de Renato Pacheco”, in O Reino Conquistado. Vitória: IHGES, 2003.

8) In “Dois Pequenos Estudos”, publicado no n.° 21, ano 1960.

9) Idem, por se tratar do segundo dos “Dois Pequenos Estudos”.

10) Publicado na Revista do IHGES, n.° 55, ano 2001.

11) Publicado no n.° 54, ano 2000.

12) Publicado no n.° 55, ano 2001.

13) Publicado no n.° 18, ano 1958.

14) O mais longo artigo publicado na Revista do IHGES é “A Imprensa no Espírito Santo”, de Heráclito Amâncio Pereira, que veio à luz nos n.°s 03, ano 1922; 04, ano 1925; 05, ano 1926 e 06, ano 1927.

15) Publicado no n.° 56, ano 2002.

16) In “Três Pequenos Estudos”, publicado no n.° 40, ano 1990.

17) Publicado no n.° 45, ano 1995.

18) Publicado no n.° 41, ano 91/92.

19) In “Três Pequenos Estudos”, publicado no n.° 40, ano 1990.

20) In “Três Pequenos Estudos”, publicado no n.° 40, ano 1990.

21) Publicado no n.° 43, ano 93/94.

22) Publicado no n.° 44, ano 1994

23) Publicado no n.° 50, ano 1998.

24) In “Três Pequenos Estudos”, publicado no n.° 28/30, ano 67/69.

25) Publicado no n.° 43, ano 93/94.

26) Publicado no n.° 55, ano 2001.

27) Publicado no n.° 57, ano 2003.

28) Entrevista publicada em Jones, Theomar. Renato Pacheco: Presença na Vivência Cultural Capixaba. Petrópolis: [s.n.], 2001, pp. 39/50.

29) Publicado no n.° 50, ano 1998.

30) Publicado no n.° 31/33, ano 80/82.

31) Publicado no n.° 45, ano 1995.

32) Publicado no n.° 17, ano 44/57.

33) No n.° 52, ano 1999.

34) Vide Neves, Getulio Marcos Pereira. Notícia do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Vitória: IHGES, 2003, pp. 50.

35) Idem, pp. 97.

36) De suas próprias palavras no Prefácio

37) Publicada na Revista do IHGES, n.° 54, ano 2000, pp. 237/252.

38) Entrevista a Oscar Gama Filho para a Revista Você; in O Reino Conquistado. Vitória: IHGES, 2003, pp. 305.

(Texto dedicado à Drª Renata Bonfim Pacheco, associada correspondente do IHGES. Publicado originalmente na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, n.º 58, Vitória, 2004, p. 63/75)


24 de janeiro de 2011

CONSIDERAÇÕES À VOLTA DO PENSAMENTO JURÍDICO DE RENATO PACHECO


Se for possível proceder, num esforço de pretensão, a uma análise do pensamento jurídico de Renato Pacheco, conforme externado na sua produção como jurista, por certo se há de deparar com noções de humanismo jurídico pouco correntes na produção quase que estritamente técnica que nos rodeia. É que Renato Pacheco, o homem de múltiplos interesses, é um humanista, no sentido próprio do termo, que mais se aproxima, entre nós, do ideal renascentista de intelectual na sua forma de encarar o mundo.

Sua atuação na área no direito se fez (e continua a se fazer) nas vertentes possíveis: a teórica, como investigador e docente, e a prática, como advogado e juiz de direito. Ainda hoje está em atividade, graças à sua vitalidade, o que permite a perpetuação de suas idéias e ideais nos incontáveis alunos e discípulos que já formou ao longo de quase sessenta anos no exercício da docência.

Propomo-nos, aqui, a tal esforço de pretensão, com o risco inerente ao fato de se comentar o pensamento de um autor ainda atuante. De fato, um tal comentário só pode ser fruto da interpretação do comentarista que, se obviamente, pode não corresponder ao que outros possam concluir da mesma passagem, pode também não corresponder ao direcionamento que o pensamento vivo desse autor ainda atuante possa tomar a partir daí.

Mas, a despeito de tudo, iniciaremos a busca de uma metodologia para esta tentativa de acompanhar o percurso do pensamento de Renato Pacheco no vasto campo do direito, pela menção ao texto “Alguns Métodos e Técnicas na Pesquisa do Direito”, de 1977, reportando-nos a outros, à medida que a exposição de suas idéias o exigir.

Naquele ano de 1977, Renato Pacheco apresentava ao Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo referido trabalho, sua tese de concurso de habilitação à livre docência na disciplina Introdução ao Estudo do Direito. Escolhia, assim, para lecionar, disciplina de formação geral, aquela que dá ao aluno recém-ingressado no curso “as bases teóricas necessárias, no campo das ciências sociais (conceitos e métodos) interligando a ciência do direito com as demais ciências do homem, principalmente com a história, a sociologia e a filosofia” (1977:3).

A escolha de um tema epistemológico para desenvolver na forma de trabalho de admissão à cadeira demonstra sua preocupação com entender o “como fazer” – no caso, a forma pela qual se faz – a abordagem do seu objeto de estudo. Neste sentido, a elaboração da tese significou, no seu percurso de jurista, uma síntese dos resultados de sua investigação e a exposição do método utilizado no percorrer do caminho que escolheu para a vivência da experiência do fenômeno jurídico.

De fato, longe da pobreza intelectual de certa espécie de “operadores do direito” (os sempre-assoberbados de trabalho), Renato Pacheco sempre perseguiu uma integração multidisciplinar fundada no seu onipresente humanismo: para ele a filosofia, a sociologia e a ciência do direito são embasamentos sem os quais “o exercício das funções forenses não pode alcançar um grau eficiente de adequação” (1977:1). Neste sentido o texto “Atitudes perante a lei, em uma sub-cultura brasileira ” demonstra sua preocupação com o conhecimento prático do meio social em que atuava como juiz de direito. Afinal, se para o investigador o fenômeno jurídico (seja em que acepção o termo seja tomado) é o objeto de estudo, para o operador (no caso, o magistrado) é instrumento de atuação, a ferramenta de que se utiliza para alcançar o fim a que visa a sua atuação profissional, que é a pacificação social.

1) Conceito e Valores:

A par da sua formação sociológica, inicia a exposição de seu sistema tentando situar o objeto de estudo nalgum lugar na dicotomia dado-constituído. Posicionando-se a respeito afirma, como Dabin (1) que “o direito pode ser encarado sob ambos os aspectos – em sua existência histórica e debaixo de sua essência” (1977:5). É essa “existência histórica”, no sentido de elaboração normativa que dá suporte à sobrevivência do grupo social, o objeto de sua cogitação nesta quadra . Ocupa-se, portanto, do direito “constituído”, justamente o resultado dessa elaboração. Esta questão foi enfrentada mais amiúde por ele em “Do Jusnaturalismo à morte do Direito” (2), em que externa uma maior inclinação pessoal pela vertente empírica do estudo do direito, em detrimento daquela outra especulativa.

É que, à partida, Pacheco desconfia da possibilidade de se elaborar os conceitos de moral, bem e justiça com base no senso-comum, dado o seu relativismo (3) e a impossibilidade de se lhes precisarem o sentido por meio da pesquisa científica. Assim, e como operador do direito que lidará diuturnamente com a indagação íntima a respeito dos conceitos acima, como historiador que apreende o – aparente – mecanismo intrínseco ao desenrolar dos fenômenos que se sucedem na marcha da civilização, resolve o problema considerando que a elaboração legislativa tende ao momento histórico do fim do direito. A imperfeição consistente na imprecisão de categorias fundamentais do jurídico nada mais seria, então, que uma etapa da elaboração – afinal racional – deste momento histórico em que a regulação social por meio do normativo não mais se faria necessária. Mas se então não haverá conflito, portanto não havendo necessidade de regulação normativa, não será porque os homens agirão de acordo com um mesmo padrão de comportamento, ou sentimento de bem ou de justiça, que lhes seria inato? Pacheco recorre, neste passo da elaboração de seu pensamento, à filosofia cristã como negativa ideal do direito, na forma como o propusera Radbruch (4) (5).

O fato é que, sem embargo, não é este o momento presente (que para Pacheco, aliás, não chegará (6)). E assim, o direito é a mais eficaz ferramenta de regulação social, ao proporcionar um meio eficiente de otimização das relações entre indivíduos e grupos, e de todos estes entre si.

Considera premente, no exercício da investigação, a problemática da identificação, pelo investigador, dos valores envolvidos, o que pode determinar “se o problema é relevante no plano acadêmico ou público” (1977:07). Da mesma forma, ao transitar para o nível que mais atrás foi chamado prático, aquele que diz respeito à aplicação do direito, a problemática dos valores envolvidos é de fundamental importância, embora desta feita sob um significado totalmente diferente. Neste outro nível não se poderia Pacheco alinhar senão entre aqueles que defendem que o método lógico representa “papel secundário e subordinado na aplicação do direito”, a quem interessam decisões “justas e socialmente aceitáveis”, em oposição àqueles que acham que o direito é “ciência eminentemente lógica” (1977:06). Logo, é neste nível que pode resolver a aparente contradição entre seu desapego, neste particular, à especulação pura e simples e a necessidade de se alcançarem, por meio do direito, aqueles valores socialmente “desejáveis”.

É assim que, fazendo suas as palavras de Aftalion, (7) considera que “o direito não tem a finalidade exclusiva de realizar a coexistência de realidades individuais, mas sim a de alcançar a coexistência e harmonia do bem de cada um com o bem de todos” (1977:07). Desta forma consegue parâmetro afinal não subjetivo para a apreensão do significado de “bem” ou de “justo” (o que deduz da consideração da conseqüência de se terem atingido aqueles valores): a pacificação social, mensurável, em última análise, pela apuração do grau de tensão social interna ao grupo (p. ex., na quantidade de crimes ou de ações judiciais de natureza cível ou de família). Quanto menor o grau de tensão social mais se pode dizer que aqueles valores – tenham, afinal, a definição que possam ter – são contemplados pela ordem jurídica vigente.

Pacheco cuida, então, de se debruçar sobre a investigação dos níveis de tensão social na comunidade em que atua, por exemplo, nos textos “Criminalidade Mateense em fins do século XIX” (8) e “Criminalidade Colatinense no Período 1960/1970” (9), em que faz um levantamento das taxas de criminalidade em determinados momentos importantes da evolução sócio-econômica das comunidades analisadas: São Mateus, “da época de fastígio comunitário para o subseqüente de estagnação” e Colatina “na década em que a estagnação principia” (10).

Mas o crime, do ponto de vista da sociologia criminal, é um padrão cultural, e Pacheco tem a sensibilidade de perceber que “padrões divergentes” de cultura (divergentes com relação a uma cultura dominante), podem condicionar a prática de delitos que, no interior daquele padrão vigente no âmbito da cultura divergente, não seriam tidos como tal. É assim que se ocupa de investigar os padrões de cultura vigentes no seio de uma “sub-cultura brasileira”, como chamou os grupos de “imigrantes teutos, que se fixaram, em meados do século passado, nas montanhas do Espírito Santo”, no já referido “Atitudes perante a lei, numa sub-cultura brasileira” (11), texto que serviu de preparação a “Assimilação de Alemães no Espírito Santo – Brasil” (12), e que analisei mais detidamente em “Dois Estudos de Sociologia Jurídica no Espírito Santo e sua Atualidade” (13).

2) Gênese Social e Interrelações do Direito:

Está assente que para Pacheco o direito é algo constituído, cuja “existência histórica” é resultado de elaboração cultural. Pode-se voltar um pouco atrás na construção que vem sendo feita para tentar estabelecer uma base para as afirmações acima. Em “Gênese Social do Direito” (14), move-se ele pela seara da teoria antropológica da cultura para explicar a gênese do direito como manifestação cultural de um grupo humano. No referido texto, parte da premissa irrefutável de que o direito constitui um sub-sistema dentro de um sistema sócio-cultural. Atento às condicionantes sócio-culturais de uma comunidade específica, derivadas, também, de condicionamentos ligados, em última análise, ao meio físico que habita (15), conclui que a importância do direito é introduzir, no padrão de comportamento humano, uma dimensão de previsibilidade, na medida que dá “normas uniformes, maneiras uniformes de julgamento e sanções iguais para as violações”. O que permite, na prática, a adoção de um instrumental recheado de paradigmas capaz de permitir a atividade de intervenção (visando a eventual) controle – no sentido, muito mais, para ele, de regulação - social.

A adoção de estratégias que permitam essa regulação social se deve à necessidade de integrar as diversas classes em que se estratifica o grupo social, aglomerados que, se legalmente são abertos, na prática são socialmente semi-fechados. Assim, os grupos de maior poder de pressão ou de mobilização são capazes de introduzir no sistema normas que consagram valores que lhes são caros, em detrimento de outros valores, oriundos de outras classes não tão eficazes. Este estado de coisas é, na teoria, desejável: a forma democrática de governo é a que contempla a maioria, e a maioria dita as leis (16) .

No entanto, a situação contemporânea, de cada vez maior estratificação econômica, leva, na prática, a uma perversão do sistema, de tal maneira que os meios de comunicação de massa difundem valores que são caros não a uma maioria numérica (sendo ainda um tal critério de democracia discutível), mas a uma classe privilegiada, na medida que se torna detentora dos meios de divulgação em massa de suas próprias idéias. A noção de maioria é, assim, ampliada, abarcando, também, aqueles persuadidos pela propaganda da classe que domina os meios de divulgação de idéias (17).

Obtida, desta maneira, a maioria, resta a forma de se regular o seu exercício. Em “Liberalismo e Democracia” (18) Pacheco lembra que “o respeito à vontade da maioria deve conter em si os mecanismos para que falem” os não contemplados por ela (19). Neste sentido, sim, o ordenamento jurídico “aparece organizado para exercer um controle social preventivo e repressivo destinado a garantir a ordem, o equilíbrio e a manutenção da correspondente estrutura social” (20). Se não por meio do direito positivo (na medida que este vem de espelhar os valores vigentes nas classes mais eficazes e portanto mais aptas a traduzir esses valores em normas obrigatórias de conduta – “o direito objetivo é fruto do sistema de poder vigente” (21)) ao menos através dos meios disponibilizados pelo sistema, v.g., a atuação dos operadores do direito. Este tema é investigado, dentre outros temas que lhe são próprios a este ciência, no âmbito da Sociologia Jurídica (22).

3) O Controle Social:

Em “Controle Social Reexaminado” Pacheco re-analisa a teoria clássica do controle social e constata que novas variáveis devem ser inseridas na sua concepção (23). Da mesma forma considera a possibilidade de inserção, na investigação deste ponto, de caminhos analíticos que permitam examinar a necessidade de descriminação de alguns delitos e também as taxas de mudança social que atropelam os juristas e sociólogos pela velocidade com que acontecem modernamente. Por outro lado, entender essa mudança social não prescinde do conhecimento da evolução histórica das instituições: “Quereis ser juízes, e mais que isto, juristas, interessados na ciência da direção da sociedade, no correto legislar das relações jurídicas, subordinando-vos ao supremo ideal de justiça? Estudai, diariamente, a ciência histórica” (24).

Ocupou-se, mesmo, de temas sociológicos específicos, considerados em sua inter-relação com a ordem jurídica: sendo para ele a família a instituição social que, pelo controle que exerce, mais influencia a formação de valores posteriormente traduzidos em normas jurídicas, aprofunda-se no seu exame. Em “Alguns Aspectos Legais do Casamento no Brasil” (25) investiga o ato jurídico que dá origem à instituição familiar, sob o aspecto normativo no direito brasileiro contemporâneo, tanto no que diz respeito à sua constituição quanto à sua dissolução. Ocupando-se, de um modo mais geral, dos aspectos sociológicos do tema, em “O Direito em relação a outros subsistemas Sociais” (26) acusa uma tendência contemporânea à desorganização da instituição, como conseqüência funesta da diuturna implantação dessa alta taxa de mudança social que o intriga e inquieta e parece ser o móvel de sua atividade investigativa em geral. Tanto que não deixa de acusar seu interesse pelo aspecto legal das conseqüências dessa desorganização, comentando a obra Divórcio à Brasileira, de Saulo Ramos (27), à altura recém-saída do prelo.

Por outro lado, dentro do âmbito da temática da ciência sócio-jurídica, ocupa-se também, sempre, do papel do juiz como operador do direito e interveniente direto na realidade social, capaz de influenciá-la através da sua atuação.

3.1) O papel do juiz:

A tal acelerada taxa de mudança social já o ocupava em suas cogitações quando ator interveniente, de fato, na prática das relações sociais, como juiz de direito na ativa. Em “Juiz e Mudança Social” (28) Pacheco vem pôr a relevo o seu papel, o papel do juiz, na integração do direito. É que, no atual estado de coisas, consideradas as taxas em que se processa a mudança social, o direito positivo mostra-se inadequado na sua função de regulação, máxime no Brasil, onde essa mudança social se verifica em taxas altamente desiguais entre os setores rural e urbano, ou entre as diversas regiões do país.

Dadas as posições doutrinárias do papel do juiz no desempenho de sua função judicante, Pacheco refuta a baliza imposta por Montesquieu, do juiz que se limita a ser repetidor das palavras da lei, para posicionar-se também contra o papel pretoriano extremado proposto por algumas tendências de direito livre. Para ele, o juiz deve estar atento à mudança social, de que é ator e partícipe, para ser capaz de “atualizar” a vontade do legislador, dado o descompasso entre a realidade social da época da codificação e da aplicação da norma codificada.

Este descompasso é fato, e a observação sociológica torna-se, assim, parte integrante da ação judicante. Para isto, o juiz deve ter independência para poder proceder a essa operação de adaptação que chamei acima “atualização”, mas, em contrapartida, deve ter responsabilidade, para que sua sentença possa ser aceitável como ato de autoridade que é. Para essa aceitação, tanto quanto possível deverá o ato espelhar a realidade da vida das pessoas no âmbito comunitário no qual ela é prolatada e haverá de ser cumprida. Prolatada por um ator, o juiz, que, assim agindo, atua como um “sociólogo em ação ou pensador social que é”.

Fica clara a sua concepção do juiz como elemento integrado na vida social da comunidade onde exerce sua função, do juiz de direito participante, em contraposição ao juiz dogmático, que esgota sua ação na elaboração mental, circunscrevendo-se aos limites de seu gabinete. O conhecimento da realidade social em que vive e atua, repita-se, deve ser condicionante de sua elaboração intelectual espelhada na sentença, não se desvinculando – antes pelo contrário constituindo, mesmo, parte integrante – de sua atuação judicante.

3.2) A Função de Juiz:

Em forma de apêndice registre-se que a sua necessidade pessoal de atuação prática nas áreas de que se ocupa como investigador e pensador do direito fizeram-no pensar a magistratura brasileira em geral, e a do Espírito Santo em particular, consideradas como classe e como órgãos do Poder Judiciário, cuja autonomia funcional defendia e forma de controle propunha, por ocasião da elaboração da nova carta constitucional (29).

Da criação da Associação dos Magistrados do Espírito Santo, em 1966 (30), à proposta de criação de uma Escola Nacional da Magistratura, quando da realização do primeiro Congresso Nacional de Magistrados, em 1970, em Vitória; do exame da forma de percepção que tem a sociedade em geral da atuação do juiz (31) à preocupação com o modo ético de se conduzir o profissional na prática cotidiana do foro, que examinou em “Deontologia Forense” (32) propondo a introdução da discussão ética nas escolas nacionais da magistratura), Pacheco sempre teve em conta, na sua cogitação, a função de juiz de direito, modo de atuação eficaz dessa sociologia ativa que preconiza e com cuja preocupação permeia seus escritos.

4) Direito, Igualdade e Acesso à Justiça:

O exame dessa função sociológica do operador do direito como tal tem um outro ângulo de visão a ser considerado, que é o do acesso do indivíduo à organização estatal onde, afinal, se situa aquele. O indivíduo recorre ao Estado-juiz em busca de justiça, e fazer justiça pode ser definido, também, como a atividade que visa à distribuição eqüitativa de direitos entre os indivíduos. Pacheco sabe que a igualdade de todos perante a lei é utópica, porque, à partida, depende de características naturalmente discrepantes entre os homens. Obviamente, é objetivo a ser alcançado pela ação do Estado organizado, que atua para equacionar e administrar as tensões resultantes dessa desigualdade real. Sem o que, conclui em “Ideal de Igualdade” (33), “as tensões acumuladas hão de explodir, um dia, em detrimento de todos”.

A atuação do Estado organizado neste campo dá-se por duas formas diferentes de intervenção, a legislativa e a judiciária. O princípio da igualdade é dirigido igualmente a legisladores e julgadores e está, por isto mesmo, adstrito, no Estado moderno, ao princípio da legalidade. Só que as leis que formam o sistema são imperfeitas, dada a impossibilidade de se evitar certa dose de arbítrio nas legislações, “que acabam sancionando as desigualdades naturais” (34). Estas desigualdades contempladas na lei espelham, na verdade, aquelas desigualdades entre grupos sociais dentro de uma mesma comunidade, a que nos referimos noutro ponto deste texto. Assim, o estabelecimento do princípio da igualdade teria, também, uma função prática, a de, pela sua aplicação institucionalizada, permitir administrar o nível de tensão social, circunscrevendo-a ao limite do suportável pelo grupo. Esta tensão social é inegável e é decorrência da própria natureza humana, do fato de que o indivíduo é dotado indistintamente do sentimento de paixão tanto pelos privilégios quanto pela igualdade (35).

Se a legislação acaba por contemplar essas desigualdades, como decorrência até certo ponto inevitável do jogo democrático referido mais acima, ao julgador é que cabe, pela atividade de aplicação da lei ao caso concreto, a função de pacificação social pela administração das tensões.

Atento a isto e sempre ao corrente das idéias contemporâneas é que propõe, no referido “Justiça para Todos” (36), algumas idéias para permitir um maior acesso da população à função judiciária estatal. Ainda quanto ao aperfeiçoamento da administração da justiça, propõe solução alternativa em “Do Juízo Arbitral: Meio de agilização do processo Civil” (37), sugerindo o uso de arbitragem como alternativa à decantada morosidade do aparelho da justiça.

E justamente por atribuir à atividade institucionalizada de prestação de justiça tão relevante papel na manutenção da organização estatal se preocupa com a maior eficiência nessa prestação. Repugna-lhe, à partida, a idéia de erro judiciário, que abordou no estudo de dois casos ocorridos no Espírito Santo: 1) o do agricultor Pedro Leppaus, ex-meeiro de vítima de homicídio ocorrido em 1954, a ele atribuído injustamente, que Pacheco abordou em “Pedro Leppaus: erro judiciário contado ao povo” (38) e 2) a do pretenso assassinato de Pedro Bertholi, em Anchieta, desaparecido da cidade em 1901 e que reapareceu vivo, em 1908, determinando a revisão da pena dos condenados (39).

Atraem-lhe, ao contrário, as idéias tendentes a possibilitar a otimização da prestação do serviço. Quando ainda incipiente a utilização em geral da informática, propôs seu uso como método de estudo do direito, pela utilização da lógica boleana na atividade de predição de modelos comportamentais, notadamente no referente a contratos e comportamentos criminógenos (1997:15) e no estudo da evolução das instituições jurídicas no tempo, à moda de vários estudiosos nos campos da Sociologia, da Jurisprudência, da Antropologia e da História do Direito. Também no campo prático propunha a utilização da informática como ferramenta auxiliar do operador do direito, em “Direito e Cibernética” (40), examinando, em “O Tribunal de Justiça do Espírito Santo e a informática” (41), os passos de sua implantação na Corte de justiça estadual, desde 1982.

5) Humanismo e Direito:

Novos métodos para estudar o mesmo fenômeno jurídico, cujo embrião vem desde a mais simples forma de sociedade. Por exemplo, a predição de modelos comportamentais das relações humanas pela utilização da lógica cibernética, ainda hoje um campo de exploração avançada, reservado aos exploradores das fronteiras entre o ordinário e o – ainda - somente possível. O direito em sua função utilitária, o sistema jurídico como instrumento de regulamentação da vida do homem em sociedade e a ciência que se ocupa desse estudo, ainda a ser aperfeiçoada na definição de seu objeto e metodologia.

Métodos e técnicas para apreender o significado intrínseco das leis que regem a vida do homem, condenado a viver em sociedade, é o que interessa a Renato Pacheco, não fora ele mesmo o humanista a que nos referimos. Sua concepção de direito como produto de elaboração da cultura permite-lhe o transitar entre os múltiplos domínios da produção intelectual a que se dedica como o homem de múltiplos interesses que o nomináramos já. Porque, ele mesmo um fazedor do produto cultural, ao produzir está, de permeio, empenhado em entender, em organizar, em regular, em aperfeiçoar para otimizar - tudo do papel que, desde que começou a produzir cultura, seja em que forma for, tomou a si.

Praia da Costa, outubro de 2003


Notas:

1) Publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Vitória, nº 21, pp. 54-56, 1960.

2) Dabin, J. Teoría General del Derecho. Madrid: 1955, pp. 149/152.

3) Publicado na Revista do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Vitória, vol. XLVII, pp. 36-41, 1995 e na Revista de Julgados do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, BH, n.º 60, pp. 31-36, jul/set 1995 .

4) Que cuidou de comprovar por meio de pesquisa realizada junto a todas as instituições de ensino de direito então existentes no país.

5) Filosofia do Direito. Coimbra: Armênio Amado, pp. 200, 1997. Radbruch sustenta que a irradiação do amor entre os homens acabaria por tornar desnecessária uma ordem jurídica imposta.

6) Este ponto específico ocupou-lhe a ponto de desenvolvê-lo um pouco mais em “A Morte do Direito”, onde continua concluindo que “qualquer que seja a posição doutrinária que se adote, não podemos ser intolerantes a ponto de descartarmos que o direito (norma, interpretação, decisão ou execução) se extinga. Resta-nos o consolo que, mesmo que ele morra, ‘onde está a sociedade está o direito’” (citando Dalmo Dallari). O texto referido in Ordem Jurídica. Vitória, p. 09, mar/abr 1979, e Revista de Cultura da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, ago/set 1979.

7) Vide nota anterior. Esta idéia da existência quase que onipresente do direito como regulação social já a acusava em “O Brasil e a Futura Confederação do Mundo”, in O Brasil e Futura Confederação Mundial (e Outros Ensaios). Alegre:[ s.n.], 1970.

8) Crítica de lo Saber de los Juristas. La Plata, 1951, apud Pacheco(1977:06).

9) Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Vitória, vol. 21, pp. 51-54, 1960.

10) Revista do Conselho Penitenciário Federal, Rio de Janeiro, ano X, n.º 29, pp. 158-162, abr72/jun73.

11) Nos períodos de declínio da economia local a taxa de criminalidade tende a aumentar pela falta de ocupação. Com relação a Colatina, referida estagnação se verificou naquele período como conseqüência da política de erradicação de cafezais implementada pelo Governo Federal.

12) Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Vitória, 1961, n.º 21, pp. 54-56.

13) Sociologia. São Paulo: vol. XXVI, n.º 02, pp. 183-201, e também em Estudos Espiritossantenses. Vitória: IHGES, pp. 53-76, 1994.

14) Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Vitória, n.º 55, pp. 175-183, 2001.

15) Ordem Jurídica, Vitória, p. 18, fev. 1982.

16) Reportando-se a Montesquieu d’ “O Espírito das Leis”.

17) Para este passo de seu pensamento, Pacheco tratou de aprofundar-se no estudo do tema “Liberalismo e Democracia”, título do texto que publicou, da lição de Radbruch, in Ordem Jurídica, p.11, Vitória, maio 1979.

18) A persuasão como uma das formas de controle social é examinada por Pacheco em “Controle Social e Direito Objetivo”, in Revista do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Vitória: vol. XXXVI, n.ºs 1 a 4, 1986.

19) Loc. cit.

20) Com relação a este tema, que guarda relação com a Ciência Política, Pacheco aprofundou-o estudando os partidos políticos em “Funções dos Partidos Políticos nos Estados Democráticos” e “Partidos Políticos – seu estudo, na América Latina”, ambos in O Brasil e Futura Confederação Social (e Outros Ensaios). Alegre/ES, [s.n.], 1970.

21) Das palavras de Losada, apud Pacheco, “O Direito em relação a outros subsistemas socias”, in Ordem Jurídica. Vitória, pp. 06-07, Jul 1982.

22) “O Direito em relação a outros sistemas sociais”, cit.

23) Renato Pacheco ocupou-se do estudo da Sociologia Jurídica como ciência autônoma em “A Sociologia Jurídica”, publicado na Revista do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, vol. , onde faz ligeiro histórico da evolução da ciência, fixa-lhe a posição em relação à Ciência do Direito e examina as discordâncias entre os autores quanto à precisão de seu objeto de estudo; e “Controle Social e Direito Objetivo”, publicado na RTJES, vol. XXXVI, n.º 1 a 4, 1986.

24) Jornal Ordem Jurídica, Vitória, p. 05, jan 1988.

25) In “Direito e História”, Boletim da Amages, Vitória, ano 6, n.°s 8 e 9, pp. 35-36, 1976

26) Sociologia, São Paulo, pp. 413-416, out 1954.

27) loc. cit

28) “Divórcio à Brasileira?” in A Gazeta, Vitória, 08 mar 1978.

29) Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 210, pp. 422-424, abr/jun 1965; O Brasil e futura Confederação Mundial. Alegre, [s.n.], 1970.

30) “Quem tem medo do Conselhão?” in Ordem Jurídica, Vitória, p. 06, dez 1987.

31) “Aos Juízes do Espírito Santo”, in O Brasil e Futura Confederação Mundial (e Outros Ensaios). Alegre: [s.n], 1970.

32) Que examinou em “O Juiz em alguns Romances Brasileiros”, in Revista Cultura. Vitória: UFES, n.º 20, pp.17-36, jun/ago 1981 e Ensaios de Sociologia da Literatura. Rio de Janeiro: Galo Branco, pp. 64-113, 2003.

33) In Limine. Vitória, p. 08, jun 1995.

34) Ordem Jurídica, Vitória, p. 04, out/nov 1987. Publicado também, com o título “Ideal da Igualdade Formal e Material”, na Revista do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Vitória, vol. XLVI, pp. 92-97, ano 1989.

35) “Justiça para todos” in A Gazeta, Vitória, p. 05, 10 de jan de 2001.

36) Vide nota 32.

37) Vide nota 33.

38) In Limine, Vitória, pp. 34-35, ago 1993.

39) Vitória: IHGES, 1985

40) In O Brasil e futura Confederação Mundial, cit.

41) Ordem Jurídica, Vitória, p. 11, ago 79.

42) Revista do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Vitória, vol. XLI, pp. 56-60, ano 1986.


Referências:

1) AFTALION, Enrique. Crítica del saber de los juristas. La Plata: [s.n.], 1951

2) DABIN, J. Teoria General Del Derecho. Madrid: [s.n.], 1955.

3) LOSADA, Alfredo. Sociologia Del Derecho. Buenos Aires: [s.n.], 1975.

4) MONTESQUIEU, Barão de. O Espírito das Leis. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

5) NEVES, Getulio Marcos Pereira. Dois Estudos de Sociologia Jurídica no Espírito Santo e sua atualidade. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Vitória, n.° 55, pp. 175/183, 2001.

6) RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Coimbra: Armênio Amado, 1997.

Textos jurídicos de autoria de Renato Pacheco utilizados:
Obs.

a) os locais e datas de publicação constam nas notas de rodapé no corpo do texto;

b) no caso de textos publicados em mais de um local, constará a primeira data de publicação.


1) “Alguns aspectos legais do casamento no Brasil”

2) “Criminalidade Mateense em fins do século XIX”

3) “Atitudes perante a lei, em uma sub-cultura brasileira”

4) “Juiz e Mudança Social”

5) “O Brasil e a futura Confederação do Mundo”

6) “Funções dos Partidos Políticos nos Estados Democráticos”

7) “Partidos Políticos – seu estudo, na América Latina”

8) “Um erro judiciário”

9) “Aos Juízes do Espírito Santo”

10) “Criminalidade Colatinense no período 1960/1970”

11) “Direito e História”

12) “Alguns Métodos e Técnicas, na pesquisa do Direito”

13) “Divórcio à brasileira?”

14) “A Morte do Direito?”

15) “Liberalismo e Democracia”

16) “Direito e Cibernética”

17) “O Juiz em alguns romances brasileiros”

18) “Gênese social do Direito”

19) “O Direito em relação a outros subsistemas sociais”

20) “Pedro Leppaus: erro judiciário contado ao povo”

21) “Ideal de Igualdade”

22) “Quem tem medo do Conselhão?”

23) “Controle social reexaminado”

24) “Do juízo arbitral: meio de agilização do processo civil”

25) “Do jusnaturalismo à morte do direito”

26) “Deontologia Forense”

27) “Justiça para todos”

Outros textos jurídicos ou referentes a assuntos jurídicos de autoria de Renato Pacheco, não utilizados:


1) “Questões de Pessoal”

2) “Graça Aranha no Espírito Santo”

3) “Sobre a pena de morte”

4) “Problemas do Menor Abandonado”

5) “A Justiça contra Guilhermina Lübke”

6) “A crise do mandado de segurança”

7) “O centenário dos ‘Estudos de Direito’, de Tobias Barreto”

8) “Da falsidade em matéria de prova”

9) “Paz e guerra – Problema maior do Direito Internacional Público”

10) “Os Juízes Conservadores da Nação Inglesa”

11) “Breve Reflexão sobre o Recrutamento de Magistrados”

(Publicado em SANTOS NEVES, Reinaldo; ACHIAMÉ, Fernando (org.) O Reino Conquistado: Estudos em Homenagem a Renato Pacheco. Vitória: IHGES, 2003, pp. 135-152; NEVES, Getúlio M. P.  Espírito Santo: Estudos Jurídicos. Vitória: [s.n], 2005, p. 71/90).